quarta-feira, 29 de julho de 2015

Por que o 'Minha Casa, Minha Vida' da Venezuela supera programa brasileiro?

Tese de doutorado apresentada na Unicamp conclui que Gran Misión Vivienda superou em qualidade outros programas do subcontinente ao de fato enfrentar a especulação imobiliária

Alvo de críticas internacionais devido à violência e intimidação com que trata oposicionistas e por ter um sistema de governo muitas vezes classificado como populista, a Venezuela conseguiu desenvolver o mais eficiente programa de habitação popular da América Latina. Foi o que concluiu uma tese de doutorado, apresentada na Universidade de Campinas (Unicamp), feita pela economista Beatriz Mioto. A pesquisadora comparou os diferentes modelos aplicados em países de dimensões econômicas e demográficas semelhantes – além da Venezuela, Brasil, Colômbia e México.
O presidente Nicolás Maduro entrega a casa 700 mil de seu programa habitacional, em abril 
"Não foi propriamente uma surpresa para mim a política habitacional venezuelana ter atendido a maior base social do governo e de maneira mais abrangente do que as demais", analisa Beatriz em entrevista ao iG. "A política habitacional venezuelana responde a uma conjuntura política única, de ascensão de um importante líder popular [Hugo Chávez], aliada ao aumento do preço do petróleo no mercado internacional, que permitiu inversões importantes no campo social."
Para chegar à conclusão, Beatriz realizou uma ampla pesquisa a respeito da história econômica e dos modelos de política habitacional na América Latina, que resultou na tese “As Políticas Habitacionais no Subdesenvolvimento: os Casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013)". O estudo foi feito ao longo de quatro anos e incluiu, além da pesquisa documental, visitas aos países inseridos para realizar pesquisas em bibliotecas, órgãos de planejamento e conjuntos habitacionais.
De acordo com Beatriz, as mudanças que levaram ao que chama de uma "política habitacional única na América Latina" vieram no momento em que a boa fase econômica se encontrou com um governo mais voltado para as classes mais baixas, com uma série de programas sociais.

Parte do Sistema Nacional de Missões – também conhecido como Missões Bolivarianas –, o programa, batizado de Gran Misión Vivienda (Grande Missão Moradia), começou de fato em 2011, após grandes enchentes desabrigarem e matarem milhares de pessoas no país, sempre em áreas periféricas, onde a estrutura é, assim como no Brasil, precária. Desde o início, o foco foi no atendimento àqueles de baixa renda que sofreram prejuízos. Segundo informações oficiais, até 25 mil venezuelanos morreram como consequência das chuvas no país no final de 2010.

A partir de então, foi realizada uma ampla política iniciada com o mapeamento de terrenos vagos e irregulares, que, quando consideradas abandonados ou com uso inadequado – como ocorre para se justificar boa parte das ocupações realizadas por movimentos sem-teto no Brasil –, passaram a ser desapropriados, em um verdadeiro enfrentamento contra a especulação imobiliária.

Desta forma, o programa foi capaz de viabilizar a parte da população não só imóveis em terrenos mais bem localizados (em áreas centrais ou próximas a estações de metrô, por exemplo), mas residências voltadas especialmente às pessoas que realmente necessitavam – em sua maioria, prejudicadas pelas enchentes de 2010 –, não àquelas que teriam condições de comprar suas casas por meio de crédito no mercado.

"A periferização também é muito cristalizada na paisagem urbana em Caracas [capital da Venezuela], por exemplo, que visitei. Mas a política atual mitigou o problema, principalmente daqueles que se encontravam desabrigados e em áreas de risco iminente", ressalta Batriz. "Isso não significa que o problema esteja perto de ser resolvido, mas que a experiência venezuelana serve para a reflexão de como aproximar a casa não só do direito à moradia como, especialmente, do direito à cidade."
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