Tese de doutorado apresentada na Unicamp conclui que Gran Misión Vivienda superou em qualidade outros programas do subcontinente ao de fato enfrentar a especulação imobiliária
Alvo
de críticas internacionais devido à violência e intimidação com que
trata oposicionistas e por ter um sistema de governo muitas vezes
classificado como populista, a Venezuela conseguiu desenvolver o mais
eficiente programa de habitação popular da América Latina. Foi o que
concluiu uma tese de doutorado, apresentada na Universidade de Campinas
(Unicamp), feita pela economista Beatriz Mioto. A pesquisadora
comparou os diferentes modelos aplicados em países de dimensões
econômicas e demográficas semelhantes – além da Venezuela, Brasil,
Colômbia e México.

"Não foi propriamente uma surpresa para mim a
política habitacional venezuelana ter atendido a maior base social do
governo e de maneira mais abrangente do que as demais", analisa Beatriz
em entrevista ao iG. "A política habitacional
venezuelana responde a uma conjuntura política única, de ascensão de um
importante líder popular [Hugo Chávez], aliada ao aumento do preço do
petróleo no mercado internacional, que permitiu inversões importantes no
campo social."
Para chegar à conclusão, Beatriz realizou uma
ampla pesquisa a respeito da história econômica e dos modelos de
política habitacional na América Latina, que resultou na tese “As
Políticas Habitacionais no Subdesenvolvimento: os Casos do Brasil,
Colômbia, México e Venezuela (1980/2013)". O estudo foi feito ao longo
de quatro anos e incluiu, além da pesquisa documental, visitas aos
países inseridos para realizar pesquisas em bibliotecas, órgãos de
planejamento e conjuntos habitacionais.
De acordo com Beatriz, as
mudanças que levaram ao que chama de uma "política habitacional única na
América Latina" vieram no momento em que a boa fase econômica se
encontrou com um governo mais voltado para as classes mais baixas, com
uma série de programas sociais.
Parte
do Sistema Nacional de Missões – também conhecido como Missões
Bolivarianas –, o programa, batizado de Gran Misión Vivienda (Grande
Missão Moradia), começou de fato em 2011, após grandes enchentes
desabrigarem e matarem milhares de pessoas no país, sempre em áreas
periféricas, onde a estrutura é, assim como no Brasil, precária. Desde o
início, o foco foi no atendimento àqueles de baixa renda que sofreram
prejuízos. Segundo informações oficiais, até 25 mil venezuelanos
morreram como consequência das chuvas no país no final de 2010.
A
partir de então, foi realizada uma ampla política iniciada com o
mapeamento de terrenos vagos e irregulares, que, quando consideradas
abandonados ou com uso inadequado – como ocorre para se justificar boa
parte das ocupações realizadas por movimentos sem-teto no Brasil –,
passaram a ser desapropriados, em um verdadeiro enfrentamento contra a
especulação imobiliária.
Desta forma, o programa foi capaz de
viabilizar a parte da população não só imóveis em terrenos mais bem
localizados (em áreas centrais ou próximas a estações de metrô, por
exemplo), mas residências voltadas especialmente às pessoas que
realmente necessitavam – em sua maioria, prejudicadas pelas enchentes de
2010 –, não àquelas que teriam condições de comprar suas casas por meio
de crédito no mercado.
"A periferização também é muito
cristalizada na paisagem urbana em Caracas [capital da Venezuela], por
exemplo, que visitei. Mas a política atual mitigou o problema,
principalmente daqueles que se encontravam desabrigados e em áreas de
risco iminente", ressalta Batriz. "Isso não significa que o problema
esteja perto de ser resolvido, mas que a experiência venezuelana serve
para a reflexão de como aproximar a casa não só do direito à moradia
como, especialmente, do direito à cidade."

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