terça-feira, 14 de julho de 2015

Após pressão de indígenas, Sesai libera contrato para locação de veículos no Dsei/BA

Após mais de três meses de negligência da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), que deixou as comunidades da Bahia sem transporte, foi confirmada nessa sexta-feira (10) a contratação de empresa para locação de 79 veículos e autorizada a compra de 15 automóveis para as necessidades emergenciais do atendimento à saúde indígena. O contrato foi homologado nesta segunda-feira (13) e deve ser assinado em até 10 dias úteis, e então a empresa terá até 60 dias corridos para entregar os veículos.

A decisão foi anunciada durante reunião com representantes da Sesai e indígenas dos povos Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Tupinambá e Tumbalalá - que estiveram em Brasília pela garantia de seus direitos. O grupo foi recebido por Daniel Lacerda, chefe de gabinete do secretário da Saúde Indígena, Antônio Alves, que não compareceu alegando agenda em São Paulo. “A ausência dele representa a falta de compromisso e respeito com a gente e o pessoal que está na base. Essa omissão do Estado já causou muitas mortes”, disse o cacique Sinaldo Pataxó. Participaram da reunião os diretores do Departamento de Gestão, Rafael Bonassa, e do Departamento de Saneamento e Edificações, Flávio Norberto, além da coordenadora da Atenção à Saúde Indígena, Miriã Vieira e o coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena na Bahia (Dsei/BA), Jerry Santos.

Os indígenas ficaram sem transporte depois de descoberto, pela Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), um esquema de fraude nas licitações do Dsei/BA, que contratou a empresa San Marino Ltda. com sobrepreço de R,8 milhões, além de ter sido constatado superfaturamento de R$ 6,4 milhões por não execução dos serviços. A licitação é de 2013 e foi estendida para outros Dseis no país, mas o pregão foi suspenso pela Justiça Federal e uma nova licitação deveria ocorrer em até 30 dias da decisão, datada de 21 de julho de 2014. No entanto, o processo só foi finalizado um ano após a determinação judicial.

Questionado sobre a espera que resultou em mortes por falta de transporte, Daniel Lacerda disse que a Sesai “tentou” soluções de diversas maneiras, entre elas a realização de um contrato emergencial para a locação dos veículos, mas que nenhuma empresa “aceitou fazer” e que não disponibilizariam a quantidade de carros necessária. “A gente entende as tentativas, mas é mais fácil justificar burocraticamente do que sofrer na pele o que eles sofrem. O Estado tem mais que a obrigação de cumprir com seu papel, e os indígenas deveriam ter o atendimento garantido há muito tempo”, disse Caromi Oseas, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que cobrou da Sesai um relatório detalhando os procedimentos adotados pela Secretaria para sanar o problema. Os diretores prometeram repassar as informações.

Maria da Ajuda, presidente do Conselho Local de Saúde Indígena do Sul da Bahia, revoltou-se com as afirmações de que Antônio Alves estaria sensibilizado com a questão. “Ele está sendo irresponsável com a saúde do nosso povo na Bahia, porque há três meses estamos lá sofrendo. Não tenho como dizer que o ministro [da Saúde] ou o secretário estão sendo sensíveis. Sensíveis seriam se comprassem agora os carros pra suprir a necessidade das comunidades. Viemos em março tratar disso e depois de quatro meses aqui estamos de novo, e o secretário não queria nos receber, alegando que era a mesma pauta. Mas como ele queria outra pauta, se não cumpriu o que combinou em março? Não tinha razão para ele se negar a nos receber. Os senhores dizem que ele está muito preocupado, pedindo desculpas, mas não acredito. Preocupado ele estaria se imediatamente colocasse os veículos nas nossas comunidades, se não deixasse nosso povo morrendo igual está lá, perdendo seus exames, suas consultas, cirurgias... muitos já estarão debaixo do chão quando conseguirem um atendimento. Isso é ter sensibilidade?”.

Depois de pressionado, o chefe de gabinete de Antônio Alves assumiu a compra de 15 veículos do tipo caminhonete, e ainda comprometeu-se a analisar, até esta sexta-feira (17) a possibilidade de aquisição de outros cinco automóveis do mesmo modelo. “Temos R$ 15 milhões para investir nos 34 Distritos, então o que eu posso assumir é a compra dos 15 carros agora, fora os outros 79 que serão alugados”, disse Daniel Lacerda.

Câmara dos Deputados
Os indígenas participaram na quinta-feira (9) de uma audiência da Comissão Especial que analisa a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000 no Congresso Nacional, onde deputados ruralistas comemoravam as recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), que, baseadas no conceito do “marco temporal”, anularam atos administrativos da demarcação de três Terras Indígenas (TIs). O deputado Valdir Colatto (PMDB/SC) chegou a defender a exploração das TIs “para quem quiser” e declarar total apoio ao marco temporal e à PEC 215, “necessária ao país”, sinalizando que os povos indígenas não devem ter direito ao território tradicional. “Vamos colocar na Constituição brasileira aquilo que o Supremo já decidiu [...] queiram ou não, essa Casa é majoritária e vamos decidir por isso. Dizer que o índio não pode ser integrado é um erro. Não seria muito mais fácil integrá-los à sociedade?”, disse o deputado. Assombrados com a posição de Colatto, os parlamentares Padre João (PT-MG), Nilto Tatto (PT-SP) e Erika Kokay (PT-DF) saíram em defesa dos direitos indígenas. “Penso que esta é a mesma lógica colonialista, de achar que qualquer um pode falar em nome dos indígenas e dizer o que eles têm que desejar”, afirmou a deputada, que lamentou o fato de as lideranças presentes na audiência terem sido impedidas de se pronunciar. “Para que uma audiência pública seja profícua, é preciso assegurar o contraditório. Mas temos uma mesa uníssona”, apontou.

A delegação da Bahia esteve ainda com assessores do Ministério da Justiça (MJ) para pressionar o órgão a solucionar os 12 processos de demarcação pendentes no estado, que não têm qualquer impedimento jurídico, dependendo apenas de vontade política da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou do MJ. Flávio Chiarelli, ex-presidente interino da Funai, agora assessor especial do ministro José Eduardo Cardozo, ressaltou que as decisões do STF e a tese do marco temporal representam uma grande dificuldade para a solução dos conflitos na Bahia. “O Judiciário está colocando o Executivo contra a parede. Se nada mais pode, o que o Judiciário quer? Que não haja mais demarcação de terras indígenas?”, pontuou Chiarelli.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio),  também ouviu o grupo, mas por meio de assessores - o que revoltou os indígenas. “Viemos de longe para solucionar nossas questões e ninguém quer nos receber. É vergonhosa essa situação. Mais uma vez o governo quer o genocídio da população indígena”, disse o cacique Zeca Pataxó.  

Os indígenas protocolaram uma carta no STF a respeito das decisões da 2ª Turma, manifestando solidariedade aos povos Canela-Apanyekrá, Guarani-Kaiowá e Terena. “Anular os longos e complexos processos de demarcação das terras indígenas, desconsiderando as décadas e, muitas vezes, centenas de anos de luta pela terra, desconsiderando ainda, que muitas vezes foi o próprio Estado brasileiro que expulsou e realocou os indígenas, para nós é a maior e mais cruel violência que poderia ser cometida, pois significa a morte dos povos e das culturas indígenas”, diz o documento. 

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