Os índios Tupinikim do Espírito Santo têm em sua mira a PEC 215, a “Lei da Biodiversidade” e o projeto de lei (PL) que muda Estatuto do Índio, que são seus principais inimigos. Vão lutar como podem para seu enfrentamento, como apontaram no relatório final da 1ª Conferência Nacional de Política Indigenista.
No documento, expressam repúdio à PEC
215, que retira do poder executivo a função de agente da demarcação das
terras indígenas atribuindo ao Congresso Nacional a decisão final sobre
o território tradicionalmente ocupado pelos indígenas e a ratificação
das já homologadas. Dá a deputados e senadores o poder de rever e
reverter demarcações antigas ou já encerradas.
Também repudiam a Lei 13123/2015. Esta lei regulamenta o acesso ao
patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados e
repartição de benefícios, a “Lei da Biodiversidade” ou “Lei da
Pirataria”, expressam os índios.
Vão lutar ainda para a impedir a tramitação do PL
5919/2013, que alterara o artigo 19 do Estatuto do Índio (Lei
6.001/73), para garantir a indenização de benfeitorias e pela terra nua
aos agricultores ocupantes de terras indígenas.
Seguem nomeando que vão buscar impedir a tramitação do PL 2116/2015 que dispõe sobre a demarcação de terras indígenas e revoga o Decreto 1775/96.
No elenco, repúdio à Portaria 60/2015 que encurta o período de
pareceres da Funai e de outros órgãos responsáveis no processo de
licenciamento de empreendimentos que impactam as terras indígenas.
Também repudiam a PEC
237/2013 que permite aos produtores rurais tomarem posse de terras
indígenas por meio de concessão. Se aprovada, isso oficializará práticas
ilegais como arrendamento.
Os Tupinikim repudiam o Projeto de Lei Complementar (PLP)
227/2012, que considera de interesse público e pretende legalizar a
existência, em terras indígenas, de latifúndios, assentamentos rurais,
cidades, estradas, empreendimentos econômicos, projetos de
desenvolvimento, mineração, atividade madeireira, usinas e outros, na
transcrição literal do relatório final Tupinikim.
Os índios anteciparam a versão final de seu documento. A conferência,
realizada nos dias 13 e 14 deste mês em Caieiras Velhas, é do que foi
chamado de “módulo” Tupinikim. Também se reuniram em conferencia os Guarani.
Os índios Tupinikim e Guarani capixabas
discutirão suas propostas em uma conferência regional, nos dias 27 a 29
de agosto próximo, em Governador Valadares. Se reunirão com os índios
que vivem em Minas Gerais, como os Krenak.
Dali sairá a delegação e as propostas regionais para a 1ª Conferência
Nacional de Política Indigenista, em Brasília, que será realizada de 17 a
20 de novembro.
Nas conferências locais, os índios tiveram como principal objetivo
discutir e apresentar propostas das comunidades voltadas para o
aprimoramento da Política Indigenista.
Discutiram quatro eixos temáticos. Apontam que querem que Comissão
Nacional de Política Indigenista, hoje de apenas caráter consultivo,
deverá ter caráter deliberativo, o que a tornaria um Conselho
Deliberativo. A Conferência foi uma iniciativa indígena, não da Fundação
Nacional do Índio (Funai).
Na conferência, ficou claro que o texto da Constituição Federal é
perfeito, nada a mudar. Tem é que regulamentar. “É o Estatuto do Índio
que faz isso. Faz 15 anos ou mais que esse assunto está parado”, foi
citado.
Também foi lembrado que “quanto ao risco de as terras homologadas serem
revistas, em princípio, pelo valor da Constituição Federal, isso não é
possível. No entanto, a bancada ruralista quer aprovar a PEC 215, e outras iniciativas, para tornar isso possível. Aí sim as terras demarcadas e registradas depois de 1988 estão em risco”.
Sustentabilidade
No eixo desenvolvimento sustentável, os povos indígenas capixabas
propõem “políticas de fortalecimento dos espaços de economia solidária
como forma das famílias indígenas serem economicamente
autossustentáveis”.
Garantir cadeiras exclusivas para os povos indígenas nas instâncias de
deliberação sobre políticas de segurança alimentar e nutricional, nos
níveis municipal, estadual e federal. E, inserir nos Projetos Políticos
Pedagógicos que a educação indígena e a educação escolar indígena tenham
como fundamento o desenvolvimento sustentável das terras e indígenas e
seus ocupantes, também estão inseridas nas propostas.
Querem,ainda, que o apoio técnico agrícola nas Terras Indígenas
respeite a cultura de cada povo e se fundamente nos princípios da
agroecologia. E ainda criar e fortalecer bancos de sementes nativas e
agrícolas.
Exigem que Estados e municípios devem aderir e implementar a Política
Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas( PNGTI), a Carteira Indígena, o Pronaf Indígena e demais programas dirigidos a populações indígenas, entre outros pontos desta área.
Autodeterminação
Neste eixo propõem, entre outros, criação de leis para que o
conhecimento tradicional seja preservado e difundido de maneira que cada
povo possa decidir; e que o governo garanta condições para que os povos
e organizações indígenas impulsionem o processo de construção e
funcionamento do Parlamento Indígena. E também apontam o que rejeitam.
Na questão do direito territorial os Tupinikim e Guarani exigem dos órgãos competentes, como a Polícia Federal e o Ibama,
a vigilância e a proteção das terras indígenas. Também exigem priorizar
a formação e participação da juventude nas atividades de defesa do
território, da cultura e da língua indígena.
E articular a implementação dos territórios etnoeducacionais
e da educação escolar indígenas específica, diferenciada e
intercultural considerando o calendário escolar, o currículo e material
pedagógico próprio.
Entre tantas propostas referentes ao direito à memória e à verdade, os
índios capixabas exigem demarcação da territorialidade indígena em
locais onde são encontrados artefatos. Por exemplo, urnas funerárias,
cerâmicas, bem como a socialização dessas informações aos povos
indígenas afetados e a consulta aos mesmos do destino desses artefatos.
Garantir no currículo das universidades disciplinas que estudam a
história e as culturas dos povos indígenas e exigir do Estado brasileiro
uma atenção especial a achados arqueológicos que estejam fora das
Terras Indígenas, com recursos para sua preservação, identificação e não
expatriação, estão elencados no relatório final indígena.
Ailton Krenak,
intelectual indígena que mora em Minas Gerais, explicou sua concepção
sobre um Parlamento Indígena, tomando como referência o funcionamento da
Comissão Nacional de Política Indígena. Ela é convocada pelo governo
(Presidência da República e Ministério a Justiça) da mesma forma que
ocorrerá se tornar-se um Conselho. Este é o caminho oficial para incluir
a participação indígena. O Conselho tem representantes indicados pelos
índios, em uma lista, mas quem seleciona os nomes dessa lista é o
governo. Esta é a forma de se “fazer política pública”.
O relatório explica que o Parlamento Indígena é um caminho para a
autodeterminação, já que iguala os povos indígenas em responsabilidade e
poder político com as estruturas do governo brasileiro.
Autodeterminação implica em tomar decisões e regulamentar os processos
de decisão em relação ao município, estado e federação. Temas de
interesse indígena seriam resguardados rotineiramente pelos indígenas.
A conferência ainda indicou outros eixos não discutidos na assembleia local, como direitos individuais e coletivos para os povos indígenas.
Também defendem os índios que o município de Aracruz decrete o dia da
data do 19 de abril como feriado. E assegurar a participação de um
indígena - indicado por sua comunidade - para participar na Secretaria
de Cultura de Aracruz, a exemplo dos italianos e pomeranos.
Querem também “priorizar o Plano de Gestão Territorial e Ambiental (ou
Plano de Vida) para garantir a integridade do território. O Estudo Etnoambiental (elaborado pela Anaí-BA),
não é um Plano de Gestão. A prioridade hoje dos caciques é essa, mas
isto vem sendo feito no âmbito da Comissão, sem compartilhar com a
comunidade. O PBA
da Vale estará garantindo a realização de assembleias para fazermos esse
Plano de Vida. A luta pela terra não acabou. Não basta demarcar e cada
cacique fazer o que interessa para sua comunidade, sem a visão do todo”,
definem.
Sobre autodeterminação e participação social alfinetam: “Exigir o
comprometimento do governo na defesa dos direitos pressupõe acreditar
que o governo é nosso. Mas ele não é. Se o governo Lula não foi,
imaginem o da Dilma. Convocá-los a se comprometer conosco é uma
ingenuidade. Mudar a Comissão Nacional de Política Indigenista para o
formato de Conselho da Política Indígena é um ato do Poder Executivo e
quem pressiona para isso somos nós, o movimento indígena. Não basta
participar, tem que haver controle social”.
Lembram, por final, que a “história indígena é composta de massacres,
genocídios e violência. Estima-se que de 1500 até o século atual, 1
milhão de indígenas tenham desaparecido a cada 100 anos. Na atualidade,
calcula-se que são pelo menos 70 índios mortos por ano. O Estado é
obrigado a reparar essa memória que a Comissão Nacional da Verdade
começou a revelar”.
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