São Paulo – Na véspera do segundo ato contra o aumento das tarifas do
transporte de ônibus, trens e metrô em São Paulo, a militante do
Movimento Passe Livre (MPL) Luize Tavares avalia que a repressão
policial não vai inibir as mobilizações, que a população entendeu o
objetivo do MPL e defende que mais gente se aproprie da luta. “O aumento só vai ser barrado quando as periferias se organizarem. O centro da luta contra a tarifa é a periferia, porque a população mais pobre é a principal afetada pelo aumento e a primeira a deixar de usar o transporte coletivo.”
Segundo Luize, estão sendo organizados debates sobre tarifa zero e manifestações em vários bairros da capital, como Pirituba, Grajaú, M'Boi Mirim, Parelheiros e São Mateus, e também na região metropolitana, como em Guarulhos e Mauá. A página do movimento na internet tem divulgado datas e locais das mobilizações. “São pessoas
ligadas a movimentos e gente que não participa de qualquer organização.
Isso prova que ninguém depende do MPL para promover uma revolta no seu
bairro. Até porque o MPL não é dono da luta. O objetivo é acabar com a tarifa dos transportes”, observou.
Movimentos que apoiam o Passe Livre já entenderam o
recado e estão organizando ações paralelas. Na manhã de hoje um grupo de
militantes da União Estadual dos Estudantes (UEE) ocupou a frente da
prefeitura da capital, reivindicando a extensão do passe livre a todos
os estudantes.
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) realizou
uma manifestação na região central ontem (14) contra o aumento das
tarifas da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), do
governo estadual, que faz itinerários entre cidades na região
metropolitana. Além de também reivindicar demandas ligadas à moradia na
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).
“Temos total acordo com a pauta. Moradia e transportes
são totalmente relacionados. Teremos atos na próxima semana contra o
reajuste das tarifas, na periferia. Por ora não discutimos levar as
famílias organizadas pelo movimento aos atos no centro, mas nada impede
que isso ocorra no futuro”, explicou o coordenador do MTST Josué Rocha.
Essa também é a posição do coletivo Luta do Transporte no Extremo Sul. O
grupo, no entanto, não prepara manifestações no momento, mas sim rodas
de discussão sobre a qualidade e a abrangência do transporte coletivo na
região, além de debater o reajuste.
“Queremos aprofundar a discussão sobre o transporte como
direito. Vários bairros da região nem têm coletivos, as pessoas precisam
andar até uma hora para chegar na primeira parada de ônibus”, explica o
militante Vinícius Oliveira, que pretende participar do ato de amanhã
(16), no centro.
Dever do poder público
Esse processo também está nos planos do Passe Livre. Mas,
segundo Luize, o movimento não tem a intenção de “se pautar por
números”. “Não temos obrigação de dizer como vai funcionar o
orçamento da cidade. De onde tira ou onde coloca o dinheiro. Nosso
papel é pautar a tarifa zero, levar as pessoas para as ruas”, afirmou.
O MPL defende que o princípio de
justiça social seja equilibrado com uma política tributária para manter
um fundo de financiamento do transporte público. “O que a
gente propõe é que se invertam as prioridades. Se invista mais em
transporte coletivo do que privado. Uma das formas seria a arrecadação
progressiva de impostos. Paga mais quem tem mais, paga menos quem tem
menos e nada quem não tem dinheiro”, resumiu Luize.
No caso do reajuste que passou a valer no último
dia 6, as tarifas de ônibus da capital, trens metropolitanos e do metrô
passaram de R$ 3 para R$ 3,50, e as de ônibus metropolitano, que têm
diversos valores de acordo com a distância percorrida, subiram até 16%.
O MPL considera que as medidas anunciadas – passe
livre estudantil, bilhetes únicos temporais sem reajuste – são
insuficientes em relação ao peso que o aumento vai provocar no orçamento
das famílias. “Medidas como essas, que não beneficiam nem
metade dos usuários do transporte, poderiam compor o financiamento da
tarifa de todos”, considerou Luize.
Ela avalia que a prefeitura da capital, por exemplo, poderia
ter ampliado a discussão sobre a verificação realizada nas contas do
transporte coletivo da capital e os problemas encontrados. Segundo dados
da consultoria Ernst&Young, o custo do transporte poderia ser
reduzido em R$ 693 milhões com adequações feitas nas remunerações por
combustível e equipamentos, além de melhorias na fiscalização. Porém,
nem no Conselho Municipal de Transportes e Trânsito (CMTT), criado pelo
prefeito Fernando Haddad (PT), o reajuste foi discutido.
O movimento, no entanto, não abre mão do passe livre
estudantil, que garante 48 viagens gratuitas por mês para estudantes da
rede pública dos ensinos fundamental e médio, para alunos do ensino
superior de escolas particulares beneficiados pelo Prouni, pelo Fies ou
por cotas e para alunos das universidades estaduais e federais com renda
familiar até 1,5 salários mínimos. “Esta é uma conquista das
mobilizações de junho de 2013. Não é um presente dos governantes”,
afirmou Luize.
Segunda manifestação
A concentração do ato desta sexta-feira está marcada
para a praça do Ciclista, na esquina das avenidas Paulista e Angélica,
região central da capital paulista. A Polícia Militar (PM) novamente
realizou uma reunião para definir a atuação no protesto. Quem vai comandar a operação é o major Victor Fredizzi, do 7º Batalhão da PM, que não definiu a estratégia exata de ação. "As táticas são muito dinâmicas, depende da estratégia da manifestação", afirmou.
Mesmo assim ele informou que os agentes vão realizar revistas
nas pessoas que chegarem para o ato – algo que não foi feito na semana
passada – e que contará com 900 policiais desta vez, contra 800 na
última sexta-feira.
Para Luize, as ameaças e a repressão só vão motivar mais gente a participar dos atos. “Isso
só vai deixar as pessoas mais cientes do que está acontecendo, de por
que a polícia reprimiu um ato que vinha sendo pacífico. O que vai fazer
com que as mobilizações cresçam”, ponderou.
Outras cidades também terão atos contra o reajuste da tarifa nos próximos dias. Amanhã, às 17h, haverá mobilização no Rio de Janeiro (Praça Pio X), em Belo Horizonte (Praça Sete) e em Florianópolis (Terminal de Integração do Centro). No dia 23, será a vez de Salvador (BA), Osasco e Praia Grande (ambas em São Paulo).
Na última sexta-feira (9), cerca de 8 mil pessoas participaram da
primeira manifestação. O ato percorreu pacífico a região do Teatro
Municipal, da praça da República, até chegar à Rua da Consolação. Um
grupo de black blocs que vinha à frente do ato iniciou a depredação de
cestos de lixo e passou a atear fogo em detritos na via. A PM deteve
quatro deles e aproveitou a situação para reprimir toda a manifestação
com uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e
cassetetes. Foram detidas 54 pessoas e dezenas ficaram feridas.
Para o presidente do PSTU, José Maria de Almeida, o Zé Maria, a
conduta dos black blocs não é decisiva para a repressão policial, mas
acaba prejudicando o conjunto da mobilização. “Nas primeiras
mobilizações você pode considerar que as pessoas não entendam que esse
tipo de ação possa prejudicar o conjunto do ato. Mas depois de tanto
tempo a gente acaba se perguntando a quem acaba servindo isso. As cenas
de violência, no geral, afastam a maioria da população das
mobilizações”, avaliou. Para Zé Maria, é preciso orientar os jovens a
não cair na provocação dos policiais.
Luize defende que o assunto seja debatido nas assembleias
realizadas antes de iniciar a marcha, mas ressalta que o movimento não
pode definir o que as pessoas fazem. “A gente tem um certo controle da
manifestação, mas que vai ficando difícil com o desenrolar do ato,
sobretudo quando se atinge um número significativo de pessoas. O MPL não
tem de pautar o que deve ou não ser feito nas ruas. Isso deve ser
decidido por todos”, afirmou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário