A
ascensão do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), capaz de
ocupar em horas terrenos destinados à especulação imobiliária a algumas
quadras do estádio da Copa do Mundo em São Paulo, confirma que, no
Brasil, as organizações sociais ainda contam com um peso equivalente, e
às vezes com maior poder de convocação, ao dos partidos progressistas. O
MTST participou das marchas multitudinárias de junho de 2013 e voltou a
fazê-lo nas do ano passado, mas sem se prestar à armadilha
desestabilizadora realizada pela direita, interessada no fracasso (que
não houve) da Copa do Mundo.
“Acho que 2015 será um ano movido a protestos de rua e greves”, antecipa Guilherme Boulos, líder dos “sem teto”, enquanto milhares de trabalhadores da Volkswagen continuavam a greve contra a demissão de 800 companheiros, recebendo a solidariedade dos trabalhadores da Mercedes Benz e da Ford. Na sexta-feira, a polícia paulista, investigada pela ONU por execuções extrajudiciais, reprimiu com certo exibicionismo a marcha de vários movimentos sociais e estudantis contra o aumento da tarifa do transporte.
“A única forma de garantir conquistas é nos mobilizando”, assegurou o jovem Boulos durante a entrevista concedida ao Página/12, na qual falou de seu encontro com Lula para formar uma frente de esquerda. Também disse estar disposto a dialogar com a presidenta Dilma Rousseff e comentou declarações do ministro Axel Kicillof.
Que balanço você faz da sua reunião com o Lula?
Consideramos importante e interessante que o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula defendam uma agenda de esquerda, o que levaria ao enfrentamento em relação a grupos que participam do governo da presidenta Dilma. Se isso acontecer, significará um avanço na conjuntura brasileira. Essa pauta de esquerda ainda está sendo discutida. Para que essa proposta não seja retórica, terá que fazer frente às elites, um enfrentamento que nem o PT nem o Lula fizeram nos últimos anos. A política implementada por Lula em seus oito anos de governo foi conservadora do ponto de vista das reformas que interessam aos setores populares. Garantiu o aumento do investimento social, mas garantiu mais lucros às elites que historicamente dominaram o Brasil.
Vocês estão céticos quanto à posição que será adotada por Lula?
Nós vemos o Lula como um dos dirigentes comprometidos com a política deste governo. Mas não somos sectários. Vamos esperar. As coisas acontecem no concreto, a prática é o critério do que é verdade. Hoje, no Brasil, não é possível derrubar qualquer privilégio sem que haja amplas mobilizações. São essas ações massivas que dão respaldo às reformas estruturais de que precisamos. Sabemos que o PT dirige instrumentos importantes de mobilização, como a maior central sindical do país (Central Única dos Trabalhadores), tem influência sobre vários movimentos sociais. O que vai definir se tudo isso é só retórica é ver se o PT trabalhará a sério para ocupar as ruas.
Qual é a agenda reivindicada pelo MTST?
Uma agenda de esquerda, o que significa lutar pela reforma política. Isso supõe o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais e a democratização dos meios de comunicação. Supõe leis que garantam mais participação popular, uma reforma tributária, uma auditoria da dívida pública, reforma urbana, reforma agrária. Reconheçamos que é ilusão supor que o Congresso, dominado por grupos reacionários, vá dar respaldo a essas reivindicações. Dou um exemplo: Eduardo Cunha, líder do bloco do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), um partido fundamental no governo, já disse que se opõe radicalmente à democracia nos meios de comunicação.
O MTST dialoga com Lula e não participou com o PT das festas da posse de Dilma.
São duas coisas compatíveis. Quero esclarecer que não vemos qualquer diferença de projeto entre Dilma e Lula. Agora, se o MTST tem uma posição muito crítica a esse modelo, somos um movimento não sectário, dialogamos com a presidenta em 2014. dialogamos com vários grupos com os quais temos divergências porque somos um grupo com reivindicações concretas de moradias populares. Para ter conquistas, é necessário debater políticas públicas, é necessário fazer pressão.
Boulos, de 32 anos, espera alguns segundos antes de começar cada resposta, talvez como reflexo de sua formação profissional – é professor de filosofia e psicanálise. Seu batismo de fogo ocorreu em 2014, quando encabeçou colunas de milhares de cidadãos sem teto, a versão urbana dos combatidos trabalhadores rurais sem-terra, o MST. Do mesmo modo que o MST, os sem-teto cultivam uma relação pendular com os governos do PT, apesar de o grosso de sua militância ter votado em Lula e Dilma. O problema, afirma Boulos, é que, para além das opções eleitorais, o dado “objetivo” está no esgotamento do modelo iniciado em 2003.
Explique-nos em que consiste esse esgotamento.
Primeiro, devemos ter em mente que o Brasil deixou de ter o crescimento econômico que houve até 2010. Nos últimos quatro anos, houve um crescimento medíocre e a tendência é que a situação continue igual em 2015 e possivelmente nos anos posteriores. Isso coloca o governo em uma encruzilhada dado que é inviável a fórmula exitosa de distribuir renda permitindo aumentar a classe média. O petismo se caracterizou por aumentar o salário mínimo, realizar investimento social, mas ao mesmo tempo os banqueiros, as empresas de construção civil e o agronegócio obtinham lucros recorde. O governo está em uma encruzilhada: ou opta por dar resposta aos pobres ou continua com o ajuste.
O MTST é aliado ou inimigo do governo?
O fato de o MTST ser um crítico ferrenho do governo não significa que coloquemos os governos Dilma e Lula no mesmo nível da direita nacional. Sabemos que existem alianças, compromissos entre o PT e a direita tradicional, mas eles não são a mesma coisa. Apesar de seu progressismo limitado, este governo não é o mesmo que um governo do capital financeiro puro sangue. O MTST adota uma posição independente e crítica de Dilma, não só frente a nomeação de ministros identificados com a direita, como o da Fazenda (Joaquim Levy), ou a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é uma delinquente. Dilma optou por uma governabilidade conservadora em vez de se apoiar nos movimentos populares. Essa opção leva a concessões cada vez mais graves e ao não cumprimento de demandas populares elementares que outros governos da região fizeram. Isso quer dizer que é possível conseguir mais avanços em vários temas, mas o pacto com os conservadores impede isso.
Em quais temas, especificamente?
Para responder, vou fazer uma breve comparação com a Argentina. No Brasil, os governos dos últimos doze anos não fizeram várias coisas impulsionadas pelos governos dos Kirchner. Sabemos que esses governos tiveram e têm contradições, mas na Argentina se reestatizou a YPF, enfrentaram-se os fundos financeiros especulativos, houve uma política que procurou a democratização das comunicações.
A DIREITA TOMA AS RUAS
O MTST sai às ruas, mas a direita também, e com demandas desestabilizadoras.
Na campanha eleitoral (concluída com a reeleição de Dilma), o setor mais atrasado e reacionário da direita saiu do armário em que estava guardado. E saiu com tudo: defendendo o racismo, as forças armadas, criminalizando as lutas sociais, semeando ódio aos pobres, aos homossexuais. São setores que não admitem o PT no governo, nem sequer este PT, com seu programa de tímidas reformas sociais. São setores que estão encastelados nos meios de comunicação, no Congresso, nos partidos tradicionais.
Você teme um retorno da direita?
Não existem condições para um golpe de Estado no Brasil… o que vemos é que estamos diante de processos progressistas que ocorrem em vários países simultaneamente e que são duramente atacados. Existem operações golpistas contra o governo bolivariano da Venezuela, existem fortes ataques contra o governo argentino. Nota-se também como alguns ataques parecem ser coordenados, e parece que está acontecendo isso agora na Argentina e no Brasil, como disse há alguns dias o ministro Axel Kicillof.
Ao estabelecer paralelos entre a situação da Petrobras e a ação contra a Argentina em Nova York…
Li que a declaração do ministro Kicillof na internet e considero que é um ponto de vista razoável, porque é mais que evidente que tanto o Brasil como a Argentina estão na mira de grupos financeiros interessados na Petrobras. Não desconhecemos que haja uma corrupção endêmica no Estado brasileiro, porque existem interesses privados metidos na condução da máquina estatal, as construtoras estão metidas no caso da Petrobras. Mas esse caso se transformou em uma desculpa para uma campanha no sentido de privatizar a empresa. O mesmo que se fez nos anos 90 com o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, com campanhas para desmoralizar outras empresas públicas, mais tarde privatizadas a preço de banana.
NA ESPANHA, PODEMOS
Existem pontos de correlação entre o progressismo latino-americano e o movimento espanhol Podemos?
Certamente, isso tem relação com o fato de que, nos últimos quinze anos, houve um processo de enfrentamento ao neoliberalismo aqui e na Europa. Isso teve como motor inicial a própria América Latina, onde logo após os ajustes da década de 90, surgiram as experiências bolivarianas e as dos outros governos progressistas em geral, o que resultou em um processo de avanços que está sendo atacado de forma muito dura. Existe um processo de latino-americanização da Europa a partir de 2008, 2010, quando a crise pegou forte os países mais frágeis, onde vários direitos sociais foram perdidos nas mãos da onda neoliberal imposta com mão de ferro pelo capital financeiro alemão.
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“Acho que 2015 será um ano movido a protestos de rua e greves”, antecipa Guilherme Boulos, líder dos “sem teto”, enquanto milhares de trabalhadores da Volkswagen continuavam a greve contra a demissão de 800 companheiros, recebendo a solidariedade dos trabalhadores da Mercedes Benz e da Ford. Na sexta-feira, a polícia paulista, investigada pela ONU por execuções extrajudiciais, reprimiu com certo exibicionismo a marcha de vários movimentos sociais e estudantis contra o aumento da tarifa do transporte.
“A única forma de garantir conquistas é nos mobilizando”, assegurou o jovem Boulos durante a entrevista concedida ao Página/12, na qual falou de seu encontro com Lula para formar uma frente de esquerda. Também disse estar disposto a dialogar com a presidenta Dilma Rousseff e comentou declarações do ministro Axel Kicillof.
Que balanço você faz da sua reunião com o Lula?
Consideramos importante e interessante que o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula defendam uma agenda de esquerda, o que levaria ao enfrentamento em relação a grupos que participam do governo da presidenta Dilma. Se isso acontecer, significará um avanço na conjuntura brasileira. Essa pauta de esquerda ainda está sendo discutida. Para que essa proposta não seja retórica, terá que fazer frente às elites, um enfrentamento que nem o PT nem o Lula fizeram nos últimos anos. A política implementada por Lula em seus oito anos de governo foi conservadora do ponto de vista das reformas que interessam aos setores populares. Garantiu o aumento do investimento social, mas garantiu mais lucros às elites que historicamente dominaram o Brasil.
Vocês estão céticos quanto à posição que será adotada por Lula?
Nós vemos o Lula como um dos dirigentes comprometidos com a política deste governo. Mas não somos sectários. Vamos esperar. As coisas acontecem no concreto, a prática é o critério do que é verdade. Hoje, no Brasil, não é possível derrubar qualquer privilégio sem que haja amplas mobilizações. São essas ações massivas que dão respaldo às reformas estruturais de que precisamos. Sabemos que o PT dirige instrumentos importantes de mobilização, como a maior central sindical do país (Central Única dos Trabalhadores), tem influência sobre vários movimentos sociais. O que vai definir se tudo isso é só retórica é ver se o PT trabalhará a sério para ocupar as ruas.
Qual é a agenda reivindicada pelo MTST?
Uma agenda de esquerda, o que significa lutar pela reforma política. Isso supõe o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais e a democratização dos meios de comunicação. Supõe leis que garantam mais participação popular, uma reforma tributária, uma auditoria da dívida pública, reforma urbana, reforma agrária. Reconheçamos que é ilusão supor que o Congresso, dominado por grupos reacionários, vá dar respaldo a essas reivindicações. Dou um exemplo: Eduardo Cunha, líder do bloco do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), um partido fundamental no governo, já disse que se opõe radicalmente à democracia nos meios de comunicação.
O MTST dialoga com Lula e não participou com o PT das festas da posse de Dilma.
São duas coisas compatíveis. Quero esclarecer que não vemos qualquer diferença de projeto entre Dilma e Lula. Agora, se o MTST tem uma posição muito crítica a esse modelo, somos um movimento não sectário, dialogamos com a presidenta em 2014. dialogamos com vários grupos com os quais temos divergências porque somos um grupo com reivindicações concretas de moradias populares. Para ter conquistas, é necessário debater políticas públicas, é necessário fazer pressão.
Boulos, de 32 anos, espera alguns segundos antes de começar cada resposta, talvez como reflexo de sua formação profissional – é professor de filosofia e psicanálise. Seu batismo de fogo ocorreu em 2014, quando encabeçou colunas de milhares de cidadãos sem teto, a versão urbana dos combatidos trabalhadores rurais sem-terra, o MST. Do mesmo modo que o MST, os sem-teto cultivam uma relação pendular com os governos do PT, apesar de o grosso de sua militância ter votado em Lula e Dilma. O problema, afirma Boulos, é que, para além das opções eleitorais, o dado “objetivo” está no esgotamento do modelo iniciado em 2003.
Explique-nos em que consiste esse esgotamento.
Primeiro, devemos ter em mente que o Brasil deixou de ter o crescimento econômico que houve até 2010. Nos últimos quatro anos, houve um crescimento medíocre e a tendência é que a situação continue igual em 2015 e possivelmente nos anos posteriores. Isso coloca o governo em uma encruzilhada dado que é inviável a fórmula exitosa de distribuir renda permitindo aumentar a classe média. O petismo se caracterizou por aumentar o salário mínimo, realizar investimento social, mas ao mesmo tempo os banqueiros, as empresas de construção civil e o agronegócio obtinham lucros recorde. O governo está em uma encruzilhada: ou opta por dar resposta aos pobres ou continua com o ajuste.
O MTST é aliado ou inimigo do governo?
O fato de o MTST ser um crítico ferrenho do governo não significa que coloquemos os governos Dilma e Lula no mesmo nível da direita nacional. Sabemos que existem alianças, compromissos entre o PT e a direita tradicional, mas eles não são a mesma coisa. Apesar de seu progressismo limitado, este governo não é o mesmo que um governo do capital financeiro puro sangue. O MTST adota uma posição independente e crítica de Dilma, não só frente a nomeação de ministros identificados com a direita, como o da Fazenda (Joaquim Levy), ou a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é uma delinquente. Dilma optou por uma governabilidade conservadora em vez de se apoiar nos movimentos populares. Essa opção leva a concessões cada vez mais graves e ao não cumprimento de demandas populares elementares que outros governos da região fizeram. Isso quer dizer que é possível conseguir mais avanços em vários temas, mas o pacto com os conservadores impede isso.
Em quais temas, especificamente?
Para responder, vou fazer uma breve comparação com a Argentina. No Brasil, os governos dos últimos doze anos não fizeram várias coisas impulsionadas pelos governos dos Kirchner. Sabemos que esses governos tiveram e têm contradições, mas na Argentina se reestatizou a YPF, enfrentaram-se os fundos financeiros especulativos, houve uma política que procurou a democratização das comunicações.
A DIREITA TOMA AS RUAS
O MTST sai às ruas, mas a direita também, e com demandas desestabilizadoras.
Na campanha eleitoral (concluída com a reeleição de Dilma), o setor mais atrasado e reacionário da direita saiu do armário em que estava guardado. E saiu com tudo: defendendo o racismo, as forças armadas, criminalizando as lutas sociais, semeando ódio aos pobres, aos homossexuais. São setores que não admitem o PT no governo, nem sequer este PT, com seu programa de tímidas reformas sociais. São setores que estão encastelados nos meios de comunicação, no Congresso, nos partidos tradicionais.
Você teme um retorno da direita?
Não existem condições para um golpe de Estado no Brasil… o que vemos é que estamos diante de processos progressistas que ocorrem em vários países simultaneamente e que são duramente atacados. Existem operações golpistas contra o governo bolivariano da Venezuela, existem fortes ataques contra o governo argentino. Nota-se também como alguns ataques parecem ser coordenados, e parece que está acontecendo isso agora na Argentina e no Brasil, como disse há alguns dias o ministro Axel Kicillof.
Ao estabelecer paralelos entre a situação da Petrobras e a ação contra a Argentina em Nova York…
Li que a declaração do ministro Kicillof na internet e considero que é um ponto de vista razoável, porque é mais que evidente que tanto o Brasil como a Argentina estão na mira de grupos financeiros interessados na Petrobras. Não desconhecemos que haja uma corrupção endêmica no Estado brasileiro, porque existem interesses privados metidos na condução da máquina estatal, as construtoras estão metidas no caso da Petrobras. Mas esse caso se transformou em uma desculpa para uma campanha no sentido de privatizar a empresa. O mesmo que se fez nos anos 90 com o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, com campanhas para desmoralizar outras empresas públicas, mais tarde privatizadas a preço de banana.
NA ESPANHA, PODEMOS
Existem pontos de correlação entre o progressismo latino-americano e o movimento espanhol Podemos?
Certamente, isso tem relação com o fato de que, nos últimos quinze anos, houve um processo de enfrentamento ao neoliberalismo aqui e na Europa. Isso teve como motor inicial a própria América Latina, onde logo após os ajustes da década de 90, surgiram as experiências bolivarianas e as dos outros governos progressistas em geral, o que resultou em um processo de avanços que está sendo atacado de forma muito dura. Existe um processo de latino-americanização da Europa a partir de 2008, 2010, quando a crise pegou forte os países mais frágeis, onde vários direitos sociais foram perdidos nas mãos da onda neoliberal imposta com mão de ferro pelo capital financeiro alemão.
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A ascensão do Movimento dos Trabalhadores
Sem-Teto (MTST), capaz de ocupar em horas terrenos destinados à especulação
imobiliária a algumas quadras do estádio da Copa do Mundo em São Paulo,
confirma que, no Brasil, as organizações sociais ainda contam com um peso
equivalente, e às vezes com maior poder de convocação, ao dos partidos
progressistas. O MTST participou das marchas multitudinárias de junho de 2013 e
voltou a fazê-lo nas do ano passado, mas sem se prestar à armadilha
desestabilizadora realizada pela direita, interessada no fracasso (que não
houve) da Copa do Mundo.
“Acho que 2015 será um ano movido a protestos de rua e greves”, antecipa Guilherme Boulos, líder dos “sem teto”, enquanto milhares de trabalhadores da Volkswagen continuavam a greve contra a demissão de 800 companheiros, recebendo a solidariedade dos trabalhadores da Mercedes Benz e da Ford. Na sexta-feira, a polícia paulista, investigada pela ONU por execuções extrajudiciais, reprimiu com certo exibicionismo a marcha de vários movimentos sociais e estudantis contra o aumento da tarifa do transporte.
“A única forma de garantir conquistas é nos mobilizando”, assegurou o jovem Boulos durante a entrevista concedida ao Página/12, na qual falou de seu encontro com Lula para formar uma frente de esquerda. Também disse estar disposto a dialogar com a presidenta Dilma Rousseff e comentou declarações do ministro Axel Kicillof.
Que balanço você faz da sua reunião com o Lula?
Consideramos importante e interessante que o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula defendam uma agenda de esquerda, o que levaria ao enfrentamento em relação a grupos que participam do governo da presidenta Dilma. Se isso acontecer, significará um avanço na conjuntura brasileira. Essa pauta de esquerda ainda está sendo discutida. Para que essa proposta não seja retórica, terá que fazer frente às elites, um enfrentamento que nem o PT nem o Lula fizeram nos últimos anos. A política implementada por Lula em seus oito anos de governo foi conservadora do ponto de vista das reformas que interessam aos setores populares. Garantiu o aumento do investimento social, mas garantiu mais lucros às elites que historicamente dominaram o Brasil.
Vocês estão céticos quanto à posição que será adotada por Lula?
Nós vemos o Lula como um dos dirigentes comprometidos com a política deste governo. Mas não somos sectários. Vamos esperar. As coisas acontecem no concreto, a prática é o critério do que é verdade. Hoje, no Brasil, não é possível derrubar qualquer privilégio sem que haja amplas mobilizações. São essas ações massivas que dão respaldo às reformas estruturais de que precisamos. Sabemos que o PT dirige instrumentos importantes de mobilização, como a maior central sindical do país (Central Única dos Trabalhadores), tem influência sobre vários movimentos sociais. O que vai definir se tudo isso é só retórica é ver se o PT trabalhará a sério para ocupar as ruas.
Qual é a agenda reivindicada pelo MTST?
Uma agenda de esquerda, o que significa lutar pela reforma política. Isso supõe o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais e a democratização dos meios de comunicação. Supõe leis que garantam mais participação popular, uma reforma tributária, uma auditoria da dívida pública, reforma urbana, reforma agrária. Reconheçamos que é ilusão supor que o Congresso, dominado por grupos reacionários, vá dar respaldo a essas reivindicações. Dou um exemplo: Eduardo Cunha, líder do bloco do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), um partido fundamental no governo, já disse que se opõe radicalmente à democracia nos meios de comunicação.
O MTST dialoga com Lula e não participou com o PT das festas da posse de Dilma.
São duas coisas compatíveis. Quero esclarecer que não vemos qualquer diferença de projeto entre Dilma e Lula. Agora, se o MTST tem uma posição muito crítica a esse modelo, somos um movimento não sectário, dialogamos com a presidenta em 2014. dialogamos com vários grupos com os quais temos divergências porque somos um grupo com reivindicações concretas de moradias populares. Para ter conquistas, é necessário debater políticas públicas, é necessário fazer pressão.
Boulos, de 32 anos, espera alguns segundos antes de começar cada resposta, talvez como reflexo de sua formação profissional – é professor de filosofia e psicanálise. Seu batismo de fogo ocorreu em 2014, quando encabeçou colunas de milhares de cidadãos sem teto, a versão urbana dos combatidos trabalhadores rurais sem-terra, o MST. Do mesmo modo que o MST, os sem-teto cultivam uma relação pendular com os governos do PT, apesar de o grosso de sua militância ter votado em Lula e Dilma. O problema, afirma Boulos, é que, para além das opções eleitorais, o dado “objetivo” está no esgotamento do modelo iniciado em 2003.
Explique-nos em que consiste esse esgotamento.
Primeiro, devemos ter em mente que o Brasil deixou de ter o crescimento econômico que houve até 2010. Nos últimos quatro anos, houve um crescimento medíocre e a tendência é que a situação continue igual em 2015 e possivelmente nos anos posteriores. Isso coloca o governo em uma encruzilhada dado que é inviável a fórmula exitosa de distribuir renda permitindo aumentar a classe média. O petismo se caracterizou por aumentar o salário mínimo, realizar investimento social, mas ao mesmo tempo os banqueiros, as empresas de construção civil e o agronegócio obtinham lucros recorde. O governo está em uma encruzilhada: ou opta por dar resposta aos pobres ou continua com o ajuste.
O MTST é aliado ou inimigo do governo?
O fato de o MTST ser um crítico ferrenho do governo não significa que coloquemos os governos Dilma e Lula no mesmo nível da direita nacional. Sabemos que existem alianças, compromissos entre o PT e a direita tradicional, mas eles não são a mesma coisa. Apesar de seu progressismo limitado, este governo não é o mesmo que um governo do capital financeiro puro sangue. O MTST adota uma posição independente e crítica de Dilma, não só frente a nomeação de ministros identificados com a direita, como o da Fazenda (Joaquim Levy), ou a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é uma delinquente. Dilma optou por uma governabilidade conservadora em vez de se apoiar nos movimentos populares. Essa opção leva a concessões cada vez mais graves e ao não cumprimento de demandas populares elementares que outros governos da região fizeram. Isso quer dizer que é possível conseguir mais avanços em vários temas, mas o pacto com os conservadores impede isso.
Em quais temas, especificamente?
Para responder, vou fazer uma breve comparação com a Argentina. No Brasil, os governos dos últimos doze anos não fizeram várias coisas impulsionadas pelos governos dos Kirchner. Sabemos que esses governos tiveram e têm contradições, mas na Argentina se reestatizou a YPF, enfrentaram-se os fundos financeiros especulativos, houve uma política que procurou a democratização das comunicações.
A DIREITA TOMA AS RUAS
O MTST sai às ruas, mas a direita também, e com demandas desestabilizadoras.
Na campanha eleitoral (concluída com a reeleição de Dilma), o setor mais atrasado e reacionário da direita saiu do armário em que estava guardado. E saiu com tudo: defendendo o racismo, as forças armadas, criminalizando as lutas sociais, semeando ódio aos pobres, aos homossexuais. São setores que não admitem o PT no governo, nem sequer este PT, com seu programa de tímidas reformas sociais. São setores que estão encastelados nos meios de comunicação, no Congresso, nos partidos tradicionais.
Você teme um retorno da direita?
Não existem condições para um golpe de Estado no Brasil… o que vemos é que estamos diante de processos progressistas que ocorrem em vários países simultaneamente e que são duramente atacados. Existem operações golpistas contra o governo bolivariano da Venezuela, existem fortes ataques contra o governo argentino. Nota-se também como alguns ataques parecem ser coordenados, e parece que está acontecendo isso agora na Argentina e no Brasil, como disse há alguns dias o ministro Axel Kicillof.
Ao estabelecer paralelos entre a situação da Petrobras e a ação contra a Argentina em Nova York…
Li que a declaração do ministro Kicillof na internet e considero que é um ponto de vista razoável, porque é mais que evidente que tanto o Brasil como a Argentina estão na mira de grupos financeiros interessados na Petrobras. Não desconhecemos que haja uma corrupção endêmica no Estado brasileiro, porque existem interesses privados metidos na condução da máquina estatal, as construtoras estão metidas no caso da Petrobras. Mas esse caso se transformou em uma desculpa para uma campanha no sentido de privatizar a empresa. O mesmo que se fez nos anos 90 com o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, com campanhas para desmoralizar outras empresas públicas, mais tarde privatizadas a preço de banana.
NA ESPANHA, PODEMOS
“Acho que 2015 será um ano movido a protestos de rua e greves”, antecipa Guilherme Boulos, líder dos “sem teto”, enquanto milhares de trabalhadores da Volkswagen continuavam a greve contra a demissão de 800 companheiros, recebendo a solidariedade dos trabalhadores da Mercedes Benz e da Ford. Na sexta-feira, a polícia paulista, investigada pela ONU por execuções extrajudiciais, reprimiu com certo exibicionismo a marcha de vários movimentos sociais e estudantis contra o aumento da tarifa do transporte.
“A única forma de garantir conquistas é nos mobilizando”, assegurou o jovem Boulos durante a entrevista concedida ao Página/12, na qual falou de seu encontro com Lula para formar uma frente de esquerda. Também disse estar disposto a dialogar com a presidenta Dilma Rousseff e comentou declarações do ministro Axel Kicillof.
Que balanço você faz da sua reunião com o Lula?
Consideramos importante e interessante que o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula defendam uma agenda de esquerda, o que levaria ao enfrentamento em relação a grupos que participam do governo da presidenta Dilma. Se isso acontecer, significará um avanço na conjuntura brasileira. Essa pauta de esquerda ainda está sendo discutida. Para que essa proposta não seja retórica, terá que fazer frente às elites, um enfrentamento que nem o PT nem o Lula fizeram nos últimos anos. A política implementada por Lula em seus oito anos de governo foi conservadora do ponto de vista das reformas que interessam aos setores populares. Garantiu o aumento do investimento social, mas garantiu mais lucros às elites que historicamente dominaram o Brasil.
Vocês estão céticos quanto à posição que será adotada por Lula?
Nós vemos o Lula como um dos dirigentes comprometidos com a política deste governo. Mas não somos sectários. Vamos esperar. As coisas acontecem no concreto, a prática é o critério do que é verdade. Hoje, no Brasil, não é possível derrubar qualquer privilégio sem que haja amplas mobilizações. São essas ações massivas que dão respaldo às reformas estruturais de que precisamos. Sabemos que o PT dirige instrumentos importantes de mobilização, como a maior central sindical do país (Central Única dos Trabalhadores), tem influência sobre vários movimentos sociais. O que vai definir se tudo isso é só retórica é ver se o PT trabalhará a sério para ocupar as ruas.
Qual é a agenda reivindicada pelo MTST?
Uma agenda de esquerda, o que significa lutar pela reforma política. Isso supõe o fim do financiamento privado das campanhas eleitorais e a democratização dos meios de comunicação. Supõe leis que garantam mais participação popular, uma reforma tributária, uma auditoria da dívida pública, reforma urbana, reforma agrária. Reconheçamos que é ilusão supor que o Congresso, dominado por grupos reacionários, vá dar respaldo a essas reivindicações. Dou um exemplo: Eduardo Cunha, líder do bloco do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), um partido fundamental no governo, já disse que se opõe radicalmente à democracia nos meios de comunicação.
O MTST dialoga com Lula e não participou com o PT das festas da posse de Dilma.
São duas coisas compatíveis. Quero esclarecer que não vemos qualquer diferença de projeto entre Dilma e Lula. Agora, se o MTST tem uma posição muito crítica a esse modelo, somos um movimento não sectário, dialogamos com a presidenta em 2014. dialogamos com vários grupos com os quais temos divergências porque somos um grupo com reivindicações concretas de moradias populares. Para ter conquistas, é necessário debater políticas públicas, é necessário fazer pressão.
Boulos, de 32 anos, espera alguns segundos antes de começar cada resposta, talvez como reflexo de sua formação profissional – é professor de filosofia e psicanálise. Seu batismo de fogo ocorreu em 2014, quando encabeçou colunas de milhares de cidadãos sem teto, a versão urbana dos combatidos trabalhadores rurais sem-terra, o MST. Do mesmo modo que o MST, os sem-teto cultivam uma relação pendular com os governos do PT, apesar de o grosso de sua militância ter votado em Lula e Dilma. O problema, afirma Boulos, é que, para além das opções eleitorais, o dado “objetivo” está no esgotamento do modelo iniciado em 2003.
Explique-nos em que consiste esse esgotamento.
Primeiro, devemos ter em mente que o Brasil deixou de ter o crescimento econômico que houve até 2010. Nos últimos quatro anos, houve um crescimento medíocre e a tendência é que a situação continue igual em 2015 e possivelmente nos anos posteriores. Isso coloca o governo em uma encruzilhada dado que é inviável a fórmula exitosa de distribuir renda permitindo aumentar a classe média. O petismo se caracterizou por aumentar o salário mínimo, realizar investimento social, mas ao mesmo tempo os banqueiros, as empresas de construção civil e o agronegócio obtinham lucros recorde. O governo está em uma encruzilhada: ou opta por dar resposta aos pobres ou continua com o ajuste.
O MTST é aliado ou inimigo do governo?
O fato de o MTST ser um crítico ferrenho do governo não significa que coloquemos os governos Dilma e Lula no mesmo nível da direita nacional. Sabemos que existem alianças, compromissos entre o PT e a direita tradicional, mas eles não são a mesma coisa. Apesar de seu progressismo limitado, este governo não é o mesmo que um governo do capital financeiro puro sangue. O MTST adota uma posição independente e crítica de Dilma, não só frente a nomeação de ministros identificados com a direita, como o da Fazenda (Joaquim Levy), ou a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, que é uma delinquente. Dilma optou por uma governabilidade conservadora em vez de se apoiar nos movimentos populares. Essa opção leva a concessões cada vez mais graves e ao não cumprimento de demandas populares elementares que outros governos da região fizeram. Isso quer dizer que é possível conseguir mais avanços em vários temas, mas o pacto com os conservadores impede isso.
Em quais temas, especificamente?
Para responder, vou fazer uma breve comparação com a Argentina. No Brasil, os governos dos últimos doze anos não fizeram várias coisas impulsionadas pelos governos dos Kirchner. Sabemos que esses governos tiveram e têm contradições, mas na Argentina se reestatizou a YPF, enfrentaram-se os fundos financeiros especulativos, houve uma política que procurou a democratização das comunicações.
A DIREITA TOMA AS RUAS
O MTST sai às ruas, mas a direita também, e com demandas desestabilizadoras.
Na campanha eleitoral (concluída com a reeleição de Dilma), o setor mais atrasado e reacionário da direita saiu do armário em que estava guardado. E saiu com tudo: defendendo o racismo, as forças armadas, criminalizando as lutas sociais, semeando ódio aos pobres, aos homossexuais. São setores que não admitem o PT no governo, nem sequer este PT, com seu programa de tímidas reformas sociais. São setores que estão encastelados nos meios de comunicação, no Congresso, nos partidos tradicionais.
Você teme um retorno da direita?
Não existem condições para um golpe de Estado no Brasil… o que vemos é que estamos diante de processos progressistas que ocorrem em vários países simultaneamente e que são duramente atacados. Existem operações golpistas contra o governo bolivariano da Venezuela, existem fortes ataques contra o governo argentino. Nota-se também como alguns ataques parecem ser coordenados, e parece que está acontecendo isso agora na Argentina e no Brasil, como disse há alguns dias o ministro Axel Kicillof.
Ao estabelecer paralelos entre a situação da Petrobras e a ação contra a Argentina em Nova York…
Li que a declaração do ministro Kicillof na internet e considero que é um ponto de vista razoável, porque é mais que evidente que tanto o Brasil como a Argentina estão na mira de grupos financeiros interessados na Petrobras. Não desconhecemos que haja uma corrupção endêmica no Estado brasileiro, porque existem interesses privados metidos na condução da máquina estatal, as construtoras estão metidas no caso da Petrobras. Mas esse caso se transformou em uma desculpa para uma campanha no sentido de privatizar a empresa. O mesmo que se fez nos anos 90 com o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, com campanhas para desmoralizar outras empresas públicas, mais tarde privatizadas a preço de banana.
NA ESPANHA, PODEMOS
Existem
pontos de correlação entre o progressismo latino-americano e o movimento
espanhol Podemos?
Certamente, isso tem relação com o fato de que, nos últimos quinze anos, houve um processo de enfrentamento ao neoliberalismo aqui e na Europa. Isso teve como motor inicial a própria América Latina, onde logo após os ajustes da década de 90, surgiram as experiências bolivarianas e as dos outros governos progressistas em geral, o que resultou em um processo de avanços que está sendo atacado de forma muito dura. Existe um processo de latino-americanização da Europa a partir de 2008, 2010, quando a crise pegou forte os países mais frágeis, onde vários direitos sociais foram perdidos nas mãos da onda neoliberal imposta com mão de ferro pelo capital financeiro alemão.
Certamente, isso tem relação com o fato de que, nos últimos quinze anos, houve um processo de enfrentamento ao neoliberalismo aqui e na Europa. Isso teve como motor inicial a própria América Latina, onde logo após os ajustes da década de 90, surgiram as experiências bolivarianas e as dos outros governos progressistas em geral, o que resultou em um processo de avanços que está sendo atacado de forma muito dura. Existe um processo de latino-americanização da Europa a partir de 2008, 2010, quando a crise pegou forte os países mais frágeis, onde vários direitos sociais foram perdidos nas mãos da onda neoliberal imposta com mão de ferro pelo capital financeiro alemão.
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