Quando se fala em demarcação de terra, uma pergunta que aparece com
frequência é: ‘para que o índio quer tanta terra?’ A gente precisa
entender que a terra é o suporte da sobrevivência do índio”, diz o
cacique Ari Martim, que lidera cerca de 700 índios guarani que vivem na
região do Pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo.
O sonho de Martim é construir uma “aldeia modelo”, onde os índios e
as crianças possam plantar e resgatar a cultura guarani. O espaço para
isso já existe: em 2013, a Fundação Nacional do Índio (Funai) emitiu um
laudo antropológico no qual reconheceu como “território de ocupação
tradicional do grupo indígena guarani” uma área de 532 hectares no
entorno do Pico do Jaraguá, que hoje abrange as aldeias Tekoa Ytu, Tekoa
Pyau e Tekoa Itakupe.
A demarcação da terra reconhecida pela Funai, no entanto, depende de
regularização pelo Ministério da Justiça, e o caso está parado há dois
anos, aguardando assinatura do ministro José Eduardo Cardozo. Do total
de 532 hectares, apenas 1,7 foi demarcado, em 1987. No local está a
aldeia Ytu, o menor território indígena do Brasil. É nesse espaço e na
contígua Pyau, às margens da rodovia dos Bandeirantes, que as centenas
de índios guarani se aglomeram. No local, que mais parece uma “favela” –
nas palavras do próprio cacique –, falta saneamento básico, os córregos
estão poluídos e o fornecimento de água é interrompido com frequência.
Para piorar, o local virou ponto de abandono de cachorros.
“Cada família tem no mínimo cinco, seis cachorros. Tem família que
tem 15. O índio, principalmente nós da etnia guarani, temos muito amor
por tudo quanto é bicho”, diz Martim.
Foi para fugir dessa situação que, em 2004, parte dos índios fundou a
aldeia Itakupe, localizada em um terreno de 72 hectares reivindicado
pelo advogado Antônio Tito Costa, ex-prefeito de São Bernardo do Campo
(SP). Naquele mesmo ano, porém, uma reintegração de posse tirou o povo
guarani do local. Foi então que em 2014, após o reconhecimento do
território indígena pela Funai, o povo guarani voltou a ocupar o
terreno.
Agora, a terra onde os índios cultivam milho, cana, batata-doce e
mandioca e onde desenvolvem um projeto de recuperação de nascentes está
novamente sob ameaça de reintegração de posse. A liminar (decisão
provisória) que autoriza o despejo foi autorizada pela Justiça Federal
em São Paulo, e a Polícia Militar agendou a operação para a última
semana deste mês, entre os dias 25 e 29 de maio. A Funai, por sua vez,
entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF), e o caso
encontra-se agora nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski, presidente
do STF, que tem o poder de suspender a reintegração de posse.
“Eu não vou sair, eu vou resistir. Vou resistir até o fim. Se
precisar morrer, eu vou (morrer). Se eu não ocupar a terra vivo, vou
ocupar ela morto. A resistência não é enfrentar. Quem sou eu para
enfrentar com arco e flecha um policial? Não tem jeito. Resistência é
ficar no lugar. O guarani é pacífico, não tem essa briga sangrenta”,
afirma o cacique Ari Martim.
“Massacre”
A causa guarani chamou a atenção de ativistas, artistas e políticos, entre eles o secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy, que tenta mediar um acordo entre o Ministério da Justiça e o proprietário. Em nota, o Ministério da Justiça informou que “tem todo interesse em dialogar com o proprietário da terra para construir uma solução pacífica para a disputa”.
A causa guarani chamou a atenção de ativistas, artistas e políticos, entre eles o secretário municipal de Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy, que tenta mediar um acordo entre o Ministério da Justiça e o proprietário. Em nota, o Ministério da Justiça informou que “tem todo interesse em dialogar com o proprietário da terra para construir uma solução pacífica para a disputa”.
Tito Costa afirma que tem todos os documentos do terreno. “Eu me
sensibilizo com a causa deles desde que fiquem no lugar deles, e não no
lugar que não lhes é de direito”, afirma Tito Costa. “Desde 1947 que nós
frequentamos a área. Nunca, nunca houve um índio sequer naquela área.
Agora dizem que eu sou um velho de 92 anos que só quer ganhar dinheiro e
que será responsável por um massacre de 700 índios. Massacrado estou
sendo eu, como se eu tivesse a obrigação de proteger índio.”
Para mostrar que é “simpático” às causas sociais, Tito Costa lembra
um episódio ocorrido na década de 1980, quando era prefeito de São
Bernardo e deu abrigo ao então líder grevista Luiz Inácio Lula da Silva.
“Lula é meu amigo. Sofreu todas as perseguições do regime militar, mas
eu o ajudei, ajudei o sindicato. Portanto, sou um homem ligado a essas
preocupações sociais”, afirma. “Mas quando essas preocupações investem
indevidamente no que não é deles de direito, a gente tem que reagir.”
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