Cacique Aruã fala sobre conflitos de terra na região Sul.
A tensão nos municípios de Una, Ilhéus e Buerarema, no Sul da Bahia, por conta de conflitos de terra entre índios tupinambás e produtores rurais, foi agravada nos últimos dias, após o assassinato de um líder indígena. Tanto, que o governador Jaques Wagner solicitou ao Governo Federal o envio de tropas do Exército à região para uma atuação de polícia. A presidenta Dilma Rousseff atendeu ao pedido e os oficiais devem chegar ao estado nos próximos dias.
Os conflitos por terra no Sul são antigos. Os índios lutam pela demarcação de cerca de 54 mil hectares de terras que estão, em grande parte, nas mãos de latifundiários. Para tratar dessa questão de um ponto de vista do povo indígena, que pouco é ouvido, quando se pauta esse assunto, é que o Vermelho entrevistou o coordenador de Assuntos Indígenas do PCdoB-Bahia, Cacique Aruã Pataxó.
Vereador no município de Santa Cruz Cabrália, no Extremo Sul do estado, e presidente da Federação Indígena Pataxó e Tupinambá, Aruã acompanha de perto as lutas dos tupinambás, tidos como aliados dos pataxós. Na entrevista, ele fala sobre os conflitos e traça um panorama sobre a luta pela regularização das terras indígenas no Brasil, apontando as principais causas da demora. Confira
Como tem acompanhado os conflitos no Sul?
É um caso crítico em Ilhéus, Una e Buerarema. É crítico o que estamos vivendo, em relação à história do índio na Bahia. São 54 mil hectares que estão para se demarcar e a gente vê que, no decorrer do tempo, os latifundiários, os grileiros de terra, [possuírem] a força política, principalmente no Congresso Nacional, com a bancada ruralista, que força a presidência da República. Já tem lá aprovado o relatório antropológico e falta agora a carta declaratória, mas isso tem trazido um grande conflito naquela região porque há vários proprietários de terras ali que são políticos. A gente sabe que políticos estão influenciando e, às vezes, financiando a desordem na região. A minha posição, enquanto líder indígena,é na defesa dos direitos indígenas, na demarcação da terra, que é um direito histórico. A posse da terra é para a nossa sobrevivência, mas que, também, em contrapartida, que os pequenos produtores rurais recebam benfeitorias por aquilo que fizeram, para não serem prejudicados. O direito indígena é supremo, mas a sociedade em geral precisa receber por aquilo que plantou, nas áreas dentro dos limites da terra indígena.
Há alguma parceria com os indígenas daqueles municípios, na busca pela regularização das terras?
Sim. Essa unidade na Bahia, através do MUPOIBA, que é o Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia, e também da federação lá do Extremo-Sul. Normalmente, todos os anos, vamos de três a quatro vezes a Brasília e a gente também convida lideranças tupinambá de Olivença [Ilhéus] pra estarem juntas, pleiteando a regularização fundiária das terras indígenas. Então, nossa parceria com eles é concreta, é forte e árdua. A gente precisa estar junto para defender os nossos direitos.
Além de alegarem que estão há muito tempo nas terras, os produtores rurais também argumentam que, hoje, não é mais possível falar em um povo originalmente indígena, dados os processos de aculturação e miscigenação. O que pensa sobre isso?
Essas alegações são frágeis. Isso porque, se você for pegar a História do Brasil, quando foi invadido, essa região de Ilhéus e Buerarema, tudo era território indígena. A questão da miscigenação, de índio com branco e negro, é a própria formação da população brasileira, mas os traços indígenas continuam. As pessoas que estão ali naquela região são indígenas e precisam ser valorizadas e reconhecidas como tal. A Funai [Fundação Nacional do Índio] já reconheceu aquele povo, que já foi dado como extinto, mas foi identificado que há sobrevivente, há remanescente do povo tupinambá, que está ali brigando por direitos, principalmente ao território.
Além da pressão política feita pelos ruralistas, que você já identificou, o que mais tem contribuído para essa demora na regularização das terras?
A morosidade do Governo Federal. Isso depende da presidenta da República, do ministro da Justiça, para essa portaria declaratória do território, tanto o de Olivença, quanto o de Barra Velha, Tumbalalá, que são os três mais avançados, mas que precisam de uma decisão de governo. São cerca de 214 deputados e ainda tem a bancada evangélica, que está votando junto com os ruralistas por questão de aliança. É preciso uma decisão como a do Supremo Tribunal [Federal], que concedeu a nulidade de títulos do território Pataxó Hã Hã Hãe. Essa decisão de governo precisa também indenizar os pequenos produtores e garantir o direito deles de ter uma terra em outro lugar. São pobres também e precisam sobreviver.
Os quilombolas também lutam pelo reconhecimento das terras, no Brasil. Há uma diferença em relação às questões indígenas?
Só há diferença de cultura. Os indígenas são daqui mesmo e os quilombolas são remanescentes dos povos que vieram do continente africano para serem escravos, mas a briga pelo reconhecimento e valorização acontece da mesma forma. A luta é do povo brasileiro, das pessoas que precisam de um pedaço de terra para sobreviver e para a preservação da cultura e da agricultura familiar.
Por fim, dá para ser otimista com essa luta?
Por parte dos indígenas, há um otimismo de que nossos direitos serão reconhecidos, principalmente o direito à terra. Mas é um processo que já se arrasta há décadas e, a cada dia que passa, o processo vai se travando, com esse fortalecimento da bancada ruralista. O Governo não toma um posicionamento firme. Precisamos que os encaminhamentos sejam feitos esse ano para que, em 2015, pelos menos, tenha um desenrolar dessas problemáticas. Agora, a garantia da ordem e da lei deve ser feita no território tupinambá de Olivença. Os conflitos devem estar cessando.
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