Guilherme Boulos defendeu que 'ou o governo reverte o modelo, baseado no ajuste liberal, ou em breve o golpismo terá base popular nas ruas.'

O debate ocorrido neste fim-de-semana em São Paulo, numa quadra da CUT, foi simbólico por muitos motivos.
Primeiro,
mostrou o grau de esgotamento do PT, como força renovadora de esquerda.
Sob impacto do avanço da direita no Brasil, militantes de esquerda se
reuniram atraídos pelo tema: “Direitos Sociais e Ameaça conservadora”.
Mas
não foi um debate organizado pelo Partido dos Trabalhadores – principal
alvo da fúria direitista do dia 15. O PT segue acuado, quase mudo.
Havia na plateia do debate muitos petistas, mas sem camisas nem símbolos
petistas. Isso tudo num evento organizado pelo PSOL
Mais que
isso: na mesa, estavam dois ex-auxiliares de Lula – Frei Beto e André
Singer (hoje, professor da USP, e que segue filiado ao PT). O debate,
realizado na “Quadra dos Bancários” (histórico ponto de encontro dos
militantes da CUT e do PT), reuniu quase mil pessoas no sábado à tarde.
Foi
o deputado federal Ivan Valente (do PSOL) quem cumpriu o papel de criar
aquele espaço de reflexão, abrindo o microfone também para Guilherme
Boulos (MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e Berna Menezes
(sindicalista ligada ao PSOL).
As críticas ao governo Dilma foram duras. E generalizadas. Boulos disse que “o governo é indefensável”, e foi mais longe: “ou o governo reverte o modelo, baseado no ajuste liberal, ou em breve o golpismo terá base popular nas ruas”.
Ele
reconheceu os avanços sociais da era Lula, mas reafirmou a posição do
MTST de que o modelo de conciliação do lulismo se esgotou. “2013 foi um aviso, mas parece que o PT não entendeu”. A
avaliação do líder do MTST é de que, apesar da queda de popularidade de
Dilma, quem está na rua por enquanto protestando contra o PT é um setor
mais radicalizado de direita e comandado pela classe média. Boulos, no
entanto, diz que um ponto deveria preocupar os petistas: “a massa trabalhadora, que votava no PT até hoje, ficou em casa dia 15, mas aplaudiu os protestos porque não aguenta mais”.
Boulos se mostrou preocupado com o “desfilar de preconceito e ideias fascistas” ocorrido no dia 15. E mostrou clareza de que não se trata de um ataque ao PT, apenas: “o
petismo deixou de ser de esquerda, mas o antipetismo é um movimento
contra toda a esquerda, é anti-movimentos sociais, anti-esquerda,
anti-vermelho. Temos uma direita venezuelana, e um governo covarde. Mas
vamos enfrentar essa turminha que destila ódio. Com fascismo, não se
conversa; fascismo, se enfrenta.”
Andre Singer concordou com
a avaliação de que o início do governo Dilma é desastroso para a
esquerda. Até porque o ajuste de Levy deve provocar desemprego,
enfraquecendo os trabalhadores – que são a base social da esquerda.
O professor da USP, porém, discordou de Boulos na avaliação do dia 15. “Considero
que a manifestação foi majoritariamente de centro. Havia, sim, setores
de extrema-direita, golpistas. E havia ainda uma direita radicalizada a
favor do impeachment, mas as pesquisas mostram que a maioria estava ali
para rechaçar a corrupção”.
Singer acha que é possível “dialogar” com
esses setores de centro. Mas foi contestado no debate por gente da
plateia. O dia 15, disse o professor Gilberto Maringoni (PSOL) foi, sim,
“tendencialmente” em favor da extrema-direita, abrindo espaço para
ex-torturadores e golpistas na Paulista. O dia 15, lembraram outros,
significou a proibição para que qualquer cidadão vestisse vermelho num
amplo raio em torno da Paulista. Essa não é atitude de “centro”, disse
um militante anônimo.
Frei Beto definiu as manifestações do dia 15 (e também as de junho de 2013) como “manifestações de protesto, mas não de proposta.” E
ressaltou que o PT colhe os frutos por ter governado 12 anos, sem ter
feito – nem encaminhado - uma reforma estrutural sequer.
A
sindicalista Berna Menezes destacou que não se pode igualar os governos
FHC e Lula/Dilma, mas lembrou que o PT é responsável pelo avanço da
direita, porque jamais enfrentou a mídia, nem fez uma Reforma Tributária
em favor dos trabalhadores.
Outra avaliação comum entre os
presentes: a crise será longa, pode durar 4 anos ou mais. Boulos disse
que há riscos de ruptura pela direita, devido à “forte presença de setores golpistas” nas ruas. Já Singer, não vê riscos imediatos de ruptura. “A turbulência será grande, o estresse democrático é parecido com 64, mas não há mais a Guerra Fria”.
Não há mesmo? O que os Estados Unidos fazem no Oriente Médio e na Ucrânia é o que? Hum…
Os
debatedores defenderam uma “Frente Social”, ou uma “Frente Popular”,
para combater o avanço da direita. Uma frente que não seja dos partidos
de esquerda, mas agregue amplos setores em defesa de uma pauta mínima.
“O meu partido, o PT, não tem mais condições para dar direção à esquerda. É preciso formar logo essa frente“, disse Singer.
Ele lamentou que o PSOL e o MTST não tenham ido ao ato do dia 13 na Paulista. “Com uma formação mais ampla, poderíamos ter chegado a cem mil pessoas, e não 40 mil, como tivemos”,
afirmou. A lembrança de Singer indica as dificuldades que ainda impedem
as forças de esquerda e os movimentos sociais de agirem juntos – num
momento de forte avanço conservador.
O deputado Ivan Valente
listou cinco pontos em torno dos quais poderia ser construída essa
frente, aberta a entidades, partidos e cidadãos interessados em barrar a
direita – dentro e fora do governo:
- Combate ao ajuste fiscal de Levy;
- Democratização dos meios de Comunicação;
- Reforma agrária e combate ao latifúndio;
- Defesa da Democracia e rechaço ao golpismo;
- Defesa dos direitos trabalhistas.
Formou-se,
entre os debatedores, um consenso de que é possível unificar a
esquerda. Não contra o governo Dilma, que em nenhum momento foi citado
como inimigo principal. Mas contra o ajuste de direita – que significa o
sequestro, pela direita, de um governo eleito com discurso de esquerda.
E, especialmente, contra a direita que baba de ódio nas ruas e no
Congresso.
Ivan Valente disse que é preciso levar pras ruas “os nomes de Cunha e Renan, como parte da corrupção que se precisa derrotar.” O
deputado do PSOL lembrou que o discurso udenista, de falso moralismo,
hoje é o mesmo de 54 e 64. Mas dessa vez, lembrou, parte importante da
direita está afundada na lama da corrupção: “há 33 parlamentares
indiciados, inclusive os presidentes da Câmara e do Senado – que não
podem ser poupados, como a direita tentou fazer no dia 15.”
Foi
um encontro curioso, em que a turma do PSOL usou a ”casa” da CUT e do
PT. Um encontro em que o PSOL se definiu claramente contra o
impeachment, e fez questão de ressaltar que PT e PSDB não são iguais. Um
encontro em que petistas ou ex-petistas não tiveram dúvidas em atacar o
ajuste de Levy – ainda que isso significasse atacar frontalmente o
governo Dilma.
Havia uma presença de militantes de esquerda,
para além do PSOL. E havia a certeza de que a Frente Popular vai nascer
com ou sem o governo. Vai nascer nas ruas. E parte importante da base
social do PT vai ajudar a compor essa frente – ainda que o partido, como
lembrou Singer, tenha perdido a capacidade de liderar a esquerda.
Já
não se trata de defender o governo ou o PT. Mas de recompor o campo da
esquerda, e impedir a completa restauração conservadora no Brasil.
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