quarta-feira, 17 de julho de 2013

ARTE BAIANA EM SP.

Pra gringo (e Paulista) ver...

Raras tentativas de definição são tão polêmicas como aquelas usadas para definir - e segregar - a arte popular. Termos como naïf, primitivo e ingênuo carregam, evidentemente, noções que ajudam a explicar uma produção de caráter autodidata, distante do mundo das escolas e academias. Mas são elementos que também trazem embutidos certo ranço de superioridade e distanciamento que não fazem mais sentido no contexto da arte contemporânea, em que os artistas transitam de forma livre entre estilos, gêneros, técnicas.
Em trabalhos como o de Aurelino, em ampla exposição na Galeria Estação até 31 de agosto, o aspecto mais impactante e evidente não é o fato de o artista ser de origem humilde, iletrado e com graves problemas psíquicos. Se sua biografia auxilia a entender sua obra, ela não se sobrepõe à impressionante trama geométrica na qual o artista soteropolitano transforma a paisagem urbana, criando uma obra de grande qualidade técnica e potente simbologia.
 - Divulgação
É uma das maiores mostras organizadas em torno da obra de Aurelino, que já tem mais de 70 anos e vive miseravelmente na capital baiana - apesar de estar presente em importantes coleções como a do Museu Afro Brasil. A exposição procura escapar dessa visão reducionista sobre essa produção. A seleção proposta pelo curador Lorenzo Mammì enfatiza as soluções formais encontradas pelo pintor, que demonstra um interesse em recriar fachadas arquitetônicas por meio de tramas geométricas; paisagens urbanas; estranhas figuras meio humanas, meio mecânicas; mosaicos de intenso colorido e jogos entre formas retas e elementos sinuosos. Ele lida com círculos, triângulos, retângulos, criados com objetos recolhidos na rua e adotados como gabaritos de forma obsessiva, como maneira de criar a cena e ordenar seu mundo interno.
Suas composições são sempre observadas de um ângulo muito próximo, impedindo, na maioria das vezes, uma visão abrangente daquilo que é representado - com exceção, talvez, de Boa Viagem, de 1990. Ao mesmo tempo, suas obras possuem uma variedade e amplidão de detalhes surpreendentes. Mammì fala em "um todo compacto, encarado de fora" para defini-las.
As paisagens e fachadas seguem um padrão bastante claro: ocupam a quase totalidade da tela, sendo contidas apenas por uma estreita faixa de calçada e uma pequena nesga de céu. Há uma evidente e fascinante contraposição, tensão, entre formas rígidas e flexíveis. É exatamente no embate entre geometria e animismo que reside a qualidade dessa pintura, acredita o curador.
A sobreposição e uma necessidade de lidar de forma ordenada e suave com as transições também se fazem sentir no maravilhoso uso da cor por Aurelino. Como descreve Mammì, suas cores são geralmente "ácidas e dissonantes". Mas seja pela tensão recíproca, seja pelo uso (sobretudo em trabalhos dos anos 1990) de uma suave velatura de tinta branca mesclada à areia, ele obtém uma textura homogênea, vibrante, capaz de criar impressionante harmonia.
Usando a metáfora do confronto quixotesco e tomando emprestada a definição de "arte liminar", de Lélia Coelho Frota, o curador vai pouco a pouco demonstrando, em sua análise, porque considerar Aurelino um pintor naïf é no mínimo reducionista e inadequado quando se observa a estruturação de suas telas: "Não há dúvida de que seu ponto de partida é a planaridade da pintura moderna", sintetiza Mammì.

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