O cacique da aldeia Pataxó Coroa Vermelha, Aruã
Pataxó, que é também vereador pelo município de Santa Cruz Cabrália, na
Bahia, e presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá
do Extremo Sul da Bahia (Finpat), foi criminalizado pela Justiça Federal
e Ministério Público Federal em Eunápolis, por ter participado de um
protesto em julho de 2008, quando mais de 200 indígenas ocuparam,
pacificamente, a sede do Instituto Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN) em Porto Seguro.
Aruã foi surpreendido com a notícia da condenação apenas um ano depois da sentença. Ele foi acusado de ‘invasão de prédio público e cárcere privado’, punido com um ano e quatro meses de reclusão em regime aberto, revertidos em serviços comunitários e pagamento de multa. A ocupação do prédio foi coletiva, mas o juiz, na sentença, responsabilizou apenas o cacique. Na decisão, apesar de reconhecer a legitimidade da manifestação política dos indígenas, o magistrado ressalta que “não se podem tolerar reivindicações baseadas na violência, ameaça e perturbação da ordem pública sob pena de que tais atos acabem por se tornar exemplo que anime toda a comunidade da aldeira de Coroa Vermelha a usar deste estrategema para alcançar seus fins, que são lícitos”.
O processo transitou em julgado no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) em julho de 2014. Aruã, no entanto, não teve nenhuma oportunidade de recorrer da decisão. O cacique, em nota pública divulgada nessa quinta-feira (30), acusa as Procuradorias da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da Advocacia-Geral da União (AGU) de “falta de competência, responsabilidade e compromisso”, porque, “além de não apresentarem testemunhas de defesa, não deram a devida importância de recorrer da sentença em instâncias judiciárias superiores”.
Aruã, agora com a assessoria de um advogado, espera reverter a decisão de alguma maneira e enviou ofício à Procuradoria da Funai em Brasília. “É uma injustiça isso. Nosso protesto foi legítimo”, diz o cacique, explicando que a motivação foi a morosidade do Iphan em analisar um projeto de construção de 200 pontos comerciais (ocas tradicionais), a reforma do museu indígena e a construção de píer na Terra Indígena Coroa Vermelha, sendo que o projeto de construção das ocas era previsto no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado em 24/8/2005 entre Ministério Público Federal, Iphan, Funai, Governo do Estado da Bahia, Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), Prefeitura Municipal de Santa Cruz Cabrália e a Comunidade Indígena Pataxó de Coroa Vermelha. “Depois de esperar três anos, a decisão da comunidade em ocupar o prédio é soberana enquanto decisão coletiva de um povo na luta por seus direitos sociais, e está sobreposta à vontade e/ou decisão individual da pessoa do seu representante, fato que pode ser facilmente identificado e confirmado por testemunhas indígenas e não indígenas”, diz Aruã. “causou-me grande estranheza a posição do representante do MPF de Eunápolis em denunciar-me à Justiça Federal, sendo que o próprio MPF é propositor do TAC firmado entre os demais órgãos públicos e a comunidade para a implantação do conjunto de obras e ações que restaram pendentes desde o ano 2000”, ressalta.
O cacique explica que os fatos compõem a estratégia de criminalização de lideranças indígenas, “ação corriqueira da Justiça Federal e Estadual no Sul da Bahia, tal como aconteceu com os caciques Tupinambá Babau e Valdelice e com a liderança Pataxó Joel Braz”. O propósito, segundo Aruã, é “calar e intimidar as comunidades indígenas na luta por seus direitos, na educação, saúde, projetos sociais e principalmente na demarcação das Terras Indígenas”.
Leia a nota pública divulgada pelo cacique na íntegra:
Crime coletivo ou luta pela garantia dos direitos humanos?
Eu, Gerdion Santos do Nascimento – Cacique Aruã, na
qualidade de homem público, Cacique da Aldeia Pataxó Coroa Vermelha,
presidente da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do
Extremo Sul da Bahia (Finpat), vereador no município de Santa Cruz
Cabrália e representante político dos Povos Indígenas da Bahia nas
eleições de 2014, na candidatura de deputado estadual.
Pela presente nota pública, venho informar e
esclarecer a todos os amigos e simpatizantes da causa indígena na Bahia e
no Brasil, que na data de 28/7/2015, fui
criminalizado na subseção judiciária da Justiça Federal de
Eunápolis/BA, pelo juiz Dr. Alex Schramm de Rocha, denúncia oferecida
pelo Ministério Público Federal de Eunápolis/BA, procurador federal, Dr.
Fernando Zelada, condenado em sentença de ação penal de 1 ano e 4 meses
de reclusão, em regime aberto, revertido em serviços comunitários e
pagamento de multa, por invasão de prédio público e cárcere privado.
O motivo foi à ocupação da sede do IPHAN em Porto
Seguro, realizado de forma coletiva por mais 200 índios da Comunidade
Indígena Pataxó da Aldeia Coroa Vermelha em 1/7/2008. O
juiz na sentença deixou claro, responsabilizou-me “unilateralmente por
ser o cacique da aldeia, pego como exemplo, a fim de coibir que a
comunidade indígena da aldeia Pataxó Coroa Vermelha, use esse
estratagema da força para alcançar os seus fins que são lícitos”.
Enquanto a minha participação efetiva foi de mediador entre a
comunidade indígena e as autoridades de governo na resolução do problema
ora instalado.
O protesto foi motivado pela morosidade e
irresponsabilidade do IPHAN na análise técnica do projeto de construção
de 200 pontos comerciais (ocas tradicionais), reforma do museu indígena e
construção do píer na Terra Indígena Coroa Vermelha, no município de
Santa Cruz Cabrália, no Extremo Sul da Bahia. O
primeiro objeto sendo este parte integrante de Termo de Ajustamento e
Conduta (TAC), assinado em 24/8/2005, pelo Ministério Público Federal,
IPHAN, Funai, Governo do Estado da Bahia/CONDER, Prefeitura Municipal de
Santa Cruz Cabrália e Comunidade Indígena Pataxó de Coroa Vermelha.
Após 3 (três) anos de espera, várias cobranças por documentos e
reuniões, a situação ficou insustentável, indignados membros da
comunidade indígena resolveram protestar ocupando o prédio do IPHAN, no
qual foi realizado de forma pacífica e de maneira ordeira, sem agressão
aos funcionários e sem dano ao patrimônio, apenas buscar uma solução
urgente para resolver o problema e cobrar das autoridades governamentais
o cumprimento do TAC.
A justiça, principalmente o “Ministério Público
Federal de Eunápolis/BA”, que tem a sua atribuição a fiscalização e
garantia de direitos, sobretudo, no fato em questão, sendo o propositor
do Termo de Ajustamento e Conduta (TAC), não cumpriu com seu papel
institucional de garantir a efetividade do acordo, porém fez o processo
inverso na criminalização de liderança por uma atitude da comunidade na
cobrança dos seus direitos.
Essa é uma ação corriqueira da Justiça Federal e Estadual no Sul da Bahia, na criminalização de lideranças indígenas, no único
propósito de calar e intimidar as comunidades indígenas, na luta por
seus direitos, na educação, saúde, projetos sociais e principalmente na
demarcação das Terras Indígenas. Citamos como exemplos: a liderança Pataxó Joel Braz e os caciques Tupinambá Babau e Valdelice,
os quais foram gradualmente criminalizados e presos, no processo de
demarcação e regularização fundiária, na luta coletiva do Território
Tradicional dos seus ancestrais.
Essa ação penal, além de ser injusta e arbitrária, por condenar e responsabilizar um indivíduo por
atitude da coletividade, caso se perdure terá efeitos desastrosos na
organização social e política das comunidades indígenas do Extremo Sul
da Bahia, pois transitou em julgado no TRF1 em julho de 2014, por falta
de competência, responsabilidade e compromisso da Procuradoria
Especializada da Funai/AGU, que além de não apresentar testemunhas de
defesa, não deu a devida importância de recorrer da sentença em
instâncias judiciárias superiores.
Esta liderança indígena, só foi comunicada
extra-oficialmente da sentença criminal em 20 de julho de 2015, pela
Câmara de Vereadores de Santa Cruz Cabrália/BA, onde exerce cargo
político, na função de vereador e vice-presidente da Câmara, eleito nas
eleições de 2012. O Tribunal Regional Federal de Primeira Região,
Subseção Judiciária de Eunápolis/BA, comunicou a Câmara de Vereadores da
sentença, a fim das devidas providências na cassação de mandato.
A Lei Orgânica Municipal diz que o vereador que for
condenado em ação penal transitado em julgado perderá o mandato, cabendo
a Câmara de Vereadores pronunciar-se e opinar sobre a matéria em
questão. Porém, como a Câmara de Vereadores de Santa Cruz Cabrália está
em recesso parlamentar de 1/7 a 1/8/2015, após a volta dos trabalhos,
será aberto Procedimento Disciplinar para cassação ou não de mandato.
Porém o fato supostamente ocorrido foi em 1/7/2008, a eleição de
vereador ocorreu em 7/10/2012, então não se configura quebra de decoro
parlamentar, pelo fato ter sucedido há mais de 4 anos antes do exercício
do mandato, cabendo aos vereadores o entendimento sobre a matéria.
Este mandato de vereador, alcançado a duras penas,
luta e determinação das comunidades indígenas do município de Santa Cruz
Cabrália, tem sido um importante instrumento de luta dos Povos
Indígenas do Extremo Sul e todo estado da Bahia, na articulação das
ações e políticas públicas de governos voltadas aos povos e indígenas
tradicionais. Por tanto, se faz
necessária a manutenção deste mandato de vereador, a fim de continuar o
fortalecimento da luta indígena e munícipes em geral, principalmente na
luta pela demarcação e regularização fundiária das Terras Indígenas,
assim como a legítima representação indígena nos espaços de poder.
Sendo assim, chamamos atenção de todas as autoridades
constituídas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, população
de Santa Cruz Cabrália, baiana e brasileira, Povos e Comunidades
Indígenas, sobre a ação e ataque sistêmico de criminalização de
lideranças indígenas na Bahia, a partir do ano 2000, na luta por seus
direitos constitucionais. Calar-se é aceitar a proliferação de atos que
poderão alcançar muitos outros importantes líderes das Nações Indígenas
do Brasil. Estamos fazendo a nossa parte neste caso, acionando as
instâncias judiciárias e tribunais competentes para reverter esta
incoerência da Justiça.
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