CACIQUE VALDELICE E AS DIFICULDADES DO POVO TUPINAMBÁ.
Valdelice Tupinambá
é uma indígena que vive na aldeia ITAPOÃ, na localidade de Olivença, no
interior do município de Ilhéus, no sul da Bahia. Cacique de seu povo, Valdelice
pode ser considerada a mãe do movimento Tupinambá pela retomada de seu
território tradicional. Liderança tão importante entre os indígenas quanto o
célebre cacique Rosivaldo Ferreira, o Cacique Babau, Valdelice guia sua aldeia
na recuperação de sua identidade como povo e na retomada da cultura passada por
seus ancestrais. Guerreira por natureza reivindica justiça e respeito à
população tupinambá residente na área sob seu comando. Com voz calma e
pensamento claro em relação ao conflito reinante na região que compreende o
interior dos municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, Valdelice discorre tranquilamente
sobre vários aspectos da disputa pela terra em litígio, 47.000 hectares que são
requeridos pelos índios tupinambá e pelos fazendeiros, grandes e pequenos,
residentes na região.
Com calma e tranquilidade, Cacique Valdelice falou sobre os problemas que afligem seu povo.
Sobre a proposta de
emenda constitucional (PEC) 215, a Cacique se diz contrária a sua aprovação
pelo fato de que se daria ao congresso, dominado pela bancada ruralista, o
poder de definir quais seriam os territórios que poderiam ser considerados
terra indígena. Isso seria como pedir que os madeireiros da Amazônia decidam quais
locais seriam possíveis de realizar desmatamento, ou seja, o interesse da
exploração econômica prevaleceria sobre o interesse da população residente na
região. Isso ocorreria em todo o território brasileiro, não só no sul da Bahia,
trazendo um prejuízo incalculável para todos os índios que lutam para que suas
terras sejam reconhecidas e que eles possam viver em paz, sem o risco de serem expulsos
de suas aldeias para dar lugar a criações de gado ou plantações de soja ou qualquer
outra monocultura.
Em uma das aldeias
existentes na região e sob o comando de Valdelice já residem mais de 60 famílias,
numa área de 250 hectares, muitas dessas famílias descendentes de indígenas que
viviam em situação de miséria nas periferias das cidades da região. A situação
das aldeias não é melhor da que existe em muitos bairros pobres das cidades,
falta água tratada, não há coleta de lixo ou tratamento de esgoto, doenças de
pele e verminoses são casos comuns.
Porém, naquele local, o povo indígena conta com o respeito as suas
tradições e com a esperança de um reconhecimento daquele território que traga
para eles uma vida melhor e mais digna.
Falta de saneamento básico é um dos principais problemas. Na foto, banheiros da escola, construídos pela comunidade.
A educação das
crianças que vivem nas aldeias é feita de forma especial, em coordenação com a
DIREC do município, as crianças tem acesso à educação comum e aprendem também
aspectos culturais de seu povo, como a língua e os rituais. Tudo isso é repassado
pelos índios mais velhos, os chamados “anciões” e ensinado nas escolas pelos
professores e professoras indígenas, esses dignos de um assunto só deles, tal a
determinação e o amor ao ensino exigido para que levem conhecimento àquelas
crianças. As escolas constam de núcleos pequenos existentes nas aldeias,
geralmente numa pequena casa de taipa erguida pela própria comunidade, que
foram criados para que as crianças não dependessem de viajar distâncias enormes
para frequentar a escola.
Os indígenas não
têm interesse em tomar a posse da terra e prejudicar os moradores da região.
Como a posse foi dada pelo Estado Brasileiro, os indígenas cobram que o
governo, em suas esferas, repare seu próprio erro e indenize as pessoas que
possam vir a ter prejuízo quando deixarem suas propriedades. A contestação dos
tupinambás é quanto à posse da terra que foi permitida quando se sabia que a
área era indígena, gerando essa ocupação irregular por parte dos produtores. A luta
tupinambá recebe apoio de alguns parlamentares, conhecidos lutadores das causas populares como os deputados Amauri Teixeira, Valmir Assunção, Yulo Oiticica e
Dominguinhos.
Uma tênue esperança
de solução do conflito surgiu da promessa do ministro da justiça José Eduardo
Cardoso de que assinaria a portaria de demarcação até o fim do mês de maio, o
que, até agora, não aconteceu, trazendo apreensão aos envolvidos, visto que, no
mês de junho, o país praticamente vai estar parado, em virtude da realização da
copa do mundo da FIFA.
Cabana da aldeia. Local de encontro e de realização de danças rituais.
O que os índios
desejam é que seja aprovada a demarcação e que seja realizado o levantamento
fundiário com a indenização para os agricultores da região, o que evitaria o
acirramento do conflito por conta da indefinição governamental. A falta do
levantamento fundiário e da posterior indenização traria insatisfação e revolta
para a parte atingida, o que não seria culpa dos tupinambás. Porém, sendo eles
a parte mais fraca do conflito, certamente seriam os maiores atingidos pelo
erro governamental.
Com muita calma e
tranquilidade, a Cacique Valdelice fala que, em caso de negação a demarcação de
seu território tradicional, seu povo buscará, por todas as vias legais, a
recuperação das terras pertencentes aos Tupinambá de Olivença, para que eles
vivam novamente com orgulho de suas origens, vivendo da terra e da natureza,
tão cara à sua gente e de onde é retirado o sustento de todas as famílias que
vivem naquela área, sob as bênção do Pai Tupã e sob os olhos vigilantes dos
guerreiros e guerreiras tupinambá que, seguindo o exemplo de sua líder, sabem
ser tranquilos nos períodos de paz e valentes nos tempos de guerra.
Confiante, Cacique Valdelice olha em frente, sempre na busca de um futuro melhor para o povo que lidera.
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