
Seis
aldeias do povo Pataxó podem sofrer uma reintegração de posse na semana
que vem, no extremo sul da Bahia. A ação movida pelo Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental do
governo brasileiro, visa a retirar os indígenas de dentro de parte do
Parque Nacional do Descobrimento. O parque incide sobre a Terra Indígena
(TI) Comexatibá, já identificada e delimitada pela Fundação Nacional do
Índio (Funai) como terra tradicional do povo Pataxó.
A
ação de reintegração de posse está marcada para acontecer entre os dias
14 e 18 de março, na próxima semana. Hoje pela tarde, agentes da
Polícia Federal já estiveram na região e, segundo informações obtidas
pelos indígenas, na segunda-feira (14) deve haver uma reunião entre as
polícias para planejar a ação de despejo.
Seis
das dez aldeias do povo Pataxó que compõem a TI Comexatibá ficam na
área sobre a qual incide o parque e serão alvo da reintegração de posse.
São as aldeias Monte Dourado, Alegria Nova, Cahy, Gurita, Tibá e Pequi.
Despejo pode ser o segundo na mesma Terra Indígena em dois meses
Parte das aldeias Cahy e Gurita fica fora da área do Parque Nacional do Descobrimento e, em janeiro, elas foram alvo de um violento despejo executado pela polícia,
decorrente de outra ação de reintegração de posse contra os indígenas.
Na ocasião, as casas dos indígenas foram destruídas, muitas delas ainda
com seus pertences, e 75 famílias ficaram desalojadas até a decisão de
reintegração ser suspensa – o que aconteceu três dias depois da ação.
A TI Comexatibá – anteriormente conhecida como Cahy-Pequi – fica no distrito de Cumuruxatiba, município de Prado (BA) e teve seu Relatório Circunstanciado publicado pela Funai no dia 27 de julho de 2015.
Nesta data, 28 mil hectares foram identificados e delimitados como
pertencentes ao território tradicional dos Pataxó, e o passo seguinte –
ainda aguardado – deve ser a publicação da Portaria Declaratória do
Ministério da Justiça, para então ser feita a homologação e
regularização do território.

Conflito com órgão ambiental
O
ICMBio considera que os indígenas pressionam os recursos naturais do
Parque Nacional do Descobrimento e colocam em risco a conservação da
biodiversidade na área, em função de práticas culturais tradicionais
como a extração de materiais para o artesanato e a alimentação, a caça e
a agricultura de subsistência.
“A
gente tem toda a semente da biodiversidade ali para a gente reproduzir,
e o órgão ambiental, desde a época que foi instalado, não fez nada para
a reprodução daquilo ali, que é nosso. Então, a gente que tem essa
preocupação. A gente vem lutando com o governo para ele entender que a
gente tem a preocupação, os meios e técnicas para cuidar daquilo ali”,
afirma Mandỹ Pataxó, da coordenação da TI Comexatibá, para quem os
indígenas podem contribuir muito para a manutenção e a preservação da
mata conservada na região.
“Em
momento algum, o ICMBio quis diálogo, nesses treze anos de reocupação
[dos indígenas na área], porque a gente já habitava ali antes da Brasil
Holanda expulsar as famílias na base da bala”, ressalta o indígena,
fazendo referência à indústria extrativista Brasil Holanda (ou
“Bralanda”), da qual o governo comprou a área sobreposta à terra
indígena onde fica hoje o parque, com a finalidade de fazer dela uma
unidade de conservação ambiental.
“Criou-se
o Parque sem nenhum contato com as populações tradicionais para
averiguar qual a situação de quem habitava ali, passando por tudo isso
como forma de queima de arquivo. Esse órgão ambiental não criou o
diálogo com a gente para parceria de desenvolvimento ambiental na área e
vem caluniando a gente, como se a gente fosse os destruidores da mata”,
finaliza Mandỹ Pataxó.
Delegação em Brasília
Em
fevereiro, os povos Pataxó e Tupinambá do extremo sul da Bahia
estiveram em Brasília, lutando por seus direitos. Além de realizar uma
marcha na Esplanada dos Ministérios, os indígenas realizaram uma série
de reuniões com órgãos do governo para reivindicar a demarcação de seus
territórios e o acesso a direitos básicos como saúde e saneamento.
Na
ocasião, buscaram também o diálogo com o Ministério do Meio Ambiente,
com a finalidade de resolver o conflito com o ICMBio. Na semana passada,
haveria uma reunião com os indígenas na Casa Civil para tratar do tema,
mas ela acabou sendo cancelada.
“Fomos
os primeiros povos a serem contatados e estamos sendo os últimos a
serem ouvidos”, afirmou, na ocasião, Mandỹ Pataxó (veja no vídeo
abaixo). “Dali que surgiu toda a violência”.
Gestão compartilhada é recomendação do MPF
Na
vinda a Brasília, os indígenas também protocolaram denúncia junto a
diversos órgãos públicos e governamentais, onde denunciam a pouca
fiscalização do ICMBio quanto às violações que acontecem na área de
conservação e a falta de diálogo com os indígenas.
Em agosto de 2015, o Ministério Público Federal (MPF) ajuizou uma ação civil pública na qual exigia celeridade do governo federal para concluir a demarcação da TI Comexatibá.
Na
peça, o MPF afirma que a morosidade do Poder Público para concluir a
demarcação e dos órgãos do governo em encontrar solução para o impasse
“tem contribuído para a proliferação dos conflitos na região do extremo
sul da Bahia”.
O
MPF aponta que a melhor solução para o conflito referente ao Parque
Nacional do Descobrimento é a criação de um Plano de Administração
Conjunta pois os povos indígenas “compartilham a constatação de que a
sua continuidade como povo está a depender também da integridade
ambiental das terras ocupadas, a qual constitui critério fundamental
para a definição de saúde, dignidade e bem-estar de seus membros”.
A
decisão de reintegração de posse que dever ser cumprida na semana que
vem contra os Pataxó foi tomada em 18 de novembro de 2015 pelo Juiz
Federal Alex Schramm de Rocha, da Subseção do Tribunal Regional Federal
da Primeira Região de Eunápolis (BA).
Até
o momento, a Funai - que é representada judicialmente pela
Advocacia-Geral da União, responsável por representar também o ICMBio -
ainda não ingressou com ação judicial para suspender a liminar de
reintegração de posse contra os indígenas, de maneira que o prazo segue
oficialmente correndo.
Duas ordens de reintegrações de posse durante visita da ONU
A
reintegração de posse na TI Comexatibá é a segunda que está programada
para ocorrer enquanto a relatora especial da Organização das Nações
Unidas (ONU) para os Direitos e as Liberdades Fundamentais dos Povos
Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, visita o Brasil.
Uma outra ação de reintegração de posse, esta contra o povo Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Taquara, no Mato Grosso do Sul, deve ocorrer até o dia 17 de março – último da visita da relatora ao Brasil.
Nos dois últimos dias, Tauli-Corpuz esteve visitando comunidades indígenas no estado do Mato Grosso do Sul.
No final de semana, ela estará na Bahia, onde conhecerá a situação das
aldeias do estado antes de seguir viagem para o Pará e retornar, então,
para uma coletiva de imprensa em Brasília (clique aqui par saber mais sobre a visita da relatora ao Brasil).